Sociedade

Para cada criança na fila de adoção há seis famílias interessadas

Maioria prefere bebês, e 87,42% das crianças aptas a serem adotadas têm mais de cinco anos. Mais: 26,33% dos futuros pais adotivos só aceitam crianças brancas

Casal brinca com criança em Brasília no último dia 25 de maio, Dia Nacional da Adoção
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No último 25 de maio, associações e órgãos do Estado realizaram eventos para lembrar o Dia Nacional da Adoção. Muitos deles incentivavam a chamada adoção tardia, a recepção de crianças de faixa etária mais elevada, o que poderia ajudar a resolver o impasse existente no Brasil: há 5,6 mil crianças precisando de adoção, mas a maioria não se encaixa no perfil desejado pelas mais de 30 mil pessoas querendo adotar.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em todo Brasil há 5.624 crianças aptas a serem adotadas. Para cada uma delas há seis adotantes (casais ou pessoas sozinhas) que poderiam ser seus pais (33.633), mas não são. 

De acordo com o juiz Reinaldo Cintra Torres de Carvalho, da Vara da Infância e Juventude do Foro Regional da Lapa, São Paulo, o motivo do descompasso é claro: “os futuros pais têm um sonho adotivo com a criança que irá constituir a família, e a maioria dos pais deseja recém-nascidos de pele clara”. Outros pais desejam especificamente um bebê, e não querem crianças com mais de um ano.

Ocorre que apenas 6% das crianças aptas a serem adotadas têm menos de um ano de idade, enquanto 87,42% têm mais de cinco anos, faixa etária aceita por apenas 11% dos pretendentes. A questão racial também pesa: 67,8% das crianças não são brancas, mas 26,33% dos futuros pais adotivos só aceitam crianças brancas.

A preferência por crianças menores se explica, em parte, pelo desejo de o pai adotivo ter uma experiência considerada completa com a criança. Há dois meses na fila para adotar em São Paulo, Eliane dos Santos de Santana, de 32 anos, espera por uma criança de até um ano de vida e não faz restrições à cor de pele: “Vai ser meu primeiro filho, quero ter a oportunidade de passar por todas as experiências, acordar de madrugada para cuidar dele, ver os primeiros passinhos”, diz. 

Alessandra Pereira Paulo, 45 anos, por sua vez, faz parte de uma minoria. Não tem filhos e espera por uma menina que tenha entre 2 anos e meio e 8 anos. Para ela, uma criança maior se adaptaria melhor ao seu ritmo de vida. “Já que eu tenho disponibilidade em adotar uma criança mais velha, por que não, já que tem tanta criança grande nos abrigos?”.

Ela também conta que acha interessante o fato de a criança mais velha já saber conversar e contar sua história. “Eu participaria mais da vida dela e ela da minha. Seria uma adoção mútua: eu adoto ela como filha e ela me adota como mãe. Um bebê não teria isso, encaixaria em outro sonho, mas não no meu, e é importante a pessoa ser honesta com o que quer”.

O perfil das crianças na fila da adoção pode ser explicado por sua origem. A maior parte delas vem de setores vulneráveis da sociedade. Segundo Carvalho, os principais motivos que levam famílias a perderem seus menores são a negligência, o abandono e a violência física e sexual. 

Crack e HIV

Suely Apparecida Gracia, diretora do Grupo Assistencial Alvorada Nova, em Pirituba, zona oeste de São Paulo, que fundou há 19 anos, nota uma peculiaridade: “dos 15 bebês que tenho aqui, todos vieram por causa das drogas e tem sido assim há alguns anos, tanto que nos especializamos em cuidar de prematuros, já que as mães usuárias de drogas, principalmente crack, não conseguem levar a gestação até o fim”. 

O juiz Torres de Carvalho, da Vara da Infância e Juventude, explica que, apesar de as drogas não constarem dentre os principais motivos, o uso delas constitui um fato originário: “Essas famílias não conseguem cuidar dos filhos, o que leva à negligência”.

Nem sempre os problemas estão concentrados nos pais das crianças. Muitas vezes a família inteira tem dificuldades. Um hospital, ao perceber que a genitora não tem condições de exercer a maternidade, aciona um assistente social para procurar alguém da família para se responsabilizar pela mãe e pelo bebê. Segundo Gracia, sempre se tenta encontrar a família dos pequenos, quase sempre em vão. “Normalmente não encontramos os pais, mas nos deparamos com os avós, também drogados. Então não deixamos o bebê com eles, senão a situação vai continuar. Assim, percebo que é um problema que vem de longe”.

Este cenário cria, para algumas crianças, uma dificuldade a mais: a infecção pelo vírus HIV. Das 250 crianças que já passaram pelo abrigo de Gracia, apenas cinco eram portadoras do vírus, e quatro conseguiram negativá-lo graças a medicamentos tomados logo após o nascimento. Ainda assim, há 92 crianças com o vírus da Aids na fila geral de adoção do Brasil.

O cenário, no entanto, não é de todo negativo. Segundo Carvalho, as campanhas pela adoção tardia têm feito crianças mais velhas e seus irmãos serem adotados com menos dificuldades. “Acredito que as pessoas precisam começar a pensar com mais amplitude para que os preconceitos sejam em menor número e intensidade”, afirma Carvalho. “Uma criança mais velha precisa de uma família tanto quanto um recém-nascido. Se as pessoas acordarem para isso, tenho certeza de que serão felizes como pais adotivos”, diz.


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