Sociedade

Os efeitos perversos da alienação parental

Trata-se de violência psicológica e de abuso de autoridade contra a infância e a juventude

A Justiça estimula a disputa entre os pais, em desfavor dos filhos
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Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância. Essa interferência visaria provocar o repúdio ao genitor ou causar prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos duradouros a garantir a convivência entre pais e filhos como um direito humano fundamental.

Assegurar o pleno acesso à diferença organizadora de uma subjetividade, representada pelas funções materna e paterna, é uma responsabilidade a ser exigida dos adultos que compõem a rede protetiva em torno da infância e juventude enquanto idades da vida em estruturação biopsicossocial.

É justamente pelo fato de crianças e adolescentes estarem assujeitados às vicissitudes próprias dessas idades da vida em seus acidentados percursos de estruturação psíquica que se exige dos adultos, enquanto guardiões dos mais jovens, a capacidade de proteger, garantir e proporcionar a experiência subjetiva da diversidade dos afetos e valores representados pelas figuras parentais de pai e mãe.

A alienação parental é uma forma de abuso de autoridade e violência psicológica onde o menor se encontra exposto a uma situação de vulnerabilidade e orfandade, por terem as práticas alienantes o poder de suspensão das funções paterna e materna, simultaneamente: do genitor alienador, por sair do lugar de pai ou de mãe ao instrumentalizar a sua prole como objeto de vingança, do genitor alienado, por ser alcançado por uma morte que é inventada, numa tentativa de apagamento dos laços parentais e de toda uma memória afetiva, já inscrita, resultando essas práticas em violência psicológica e abuso de autoridade .

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No ordenamento jurídico brasileiro existe lei específica com o objetivo de coibir práticas abusivas de alienação. Em 26 de agosto de 2010, foi promulgada, depois de amplo debate e em atendimento à demanda da sociedade civil organizada, a Lei 12.318/2010, que versa sobre o tema.

A sensibilidade do legislador adotou um conceito aberto ao dar abrangência a todo e qualquer tipo de conduta que prejudique o relacionamento da criança ou do adolescente com um dos seus genitores. Ainda assim, e não obstante a minuciosa tipificação estabelecida na lei, existe uma resistência por parte dos operadores do direito em fazer valer o texto da lei.

Nesta senda, defendemos que a alienação parental é fruto de um esgarçamento da rede protetiva em torno da infância e juventude, a começar pela família, agregando ao rol de omissões e de abusos de autoridade os representantes do Estado.

Assim como “uma andorinha só não faz verão”, concebemos a alienação parental como um sintoma social, resultante da omissão, da covardia e do abuso de autoridade por parte dos adultos que compõem a rede protetiva em derredor da infância e juventude.

Neste sentido, um alienador sozinho não tem o poder de instituir a alienação. As práticas alienantes encontram no silêncio obsequioso de conselheiros tutelares, promotores e juízes responsáveis pela assistência e proteção às crianças e adolescentes os aliados capazes de investir, por omissão e conduta negligente, o alienador do poder absoluto para dar continuidade ao abuso psicológico e afetivo contra menor vulnerável.

O instituto da alienação parental é resultante de uma contaminação perversa a desidratar toda a rede protetiva, deixando crianças e adolescentes em situação de deriva subjetiva por negligência e conduta demissionária dos adultos responsáveis por salvaguardar as condições básicas do tortuoso percurso de estruturação psíquica. Quando o abuso de autoridade e a violência psicológica é compartilhado entre pais e representantes do Estado, o cerco se fecha no que denominamos complexo alienante.

O complexo alienante fecha o cerco em torno da criança ou adolescente ao garantir a continuidade do ilícito da alienação parental. As contendas entre pais a envolverem os filhos em litígios nas varas de famílias correm sob segredo de justiça, ficando os autos sob sigilo para proteger a identidade do menor.

Mas a proteção do sigilo, em muitos casos, acaba resguardando as omissões e os abusos de autoridade de pais alienadores e operadores do direito em seu funcionamento burocrático e sem implicação subjetiva a sonegar indefinidamente o ato jurisdicional capaz de diminuir a assimetria do tempo da infância em relação ao tempo da justiça.

Segundo dados do próprio Conselho Nacional de Justiça, estima-se em milhões de crianças e adolescentes vítimas de práticas alienantes no Brasil. Apesar da lei avançada, a realidade nas varas de famílias esbarra na omissão dos que deveriam zelar pelo direito humano fundamental de crianças e adolescentes poderem usufruir da experiência afetiva com ambos os genitores. E não servirem como instrumento e objeto de gozo dos adultos que se recusam a crescer e responder do seu lugar de responsáveis pelos recém-chegados.

* É psicanalista e diretor-representante da Associação Brasileira Criança Feliz – Seção Bahia

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