Sociedade
Orgulho reconquistado
Em sua segunda passagem pelo clube, Felipão colocou o Palmeiras de volta ao lugar onde o deixou numa já distante década de 90


Na tarde da quarta-feira 11, corria entre os amigos a aposta de que, em caso de novo desfalque, Luiz Felipe Scolari teria de escalar o auxiliar-técnico Flávio Murtosa como opção de ataque no jogo contra o Coritiba. A sequência incrível de incidentes que acometia o elenco palmeirense às vésperas da decisão tinha cara, cor e forma de uma nova tragédia.
Wesley, comprado a peso de ouro no começo do ano, jogou meia dúzia de partidas, se quebrou e encerrou precocemente a temporada. Barcos, a esperança de gols, foi atacado por uma apendicite e ficou fora da decisão. Valdivia, justo quando começava a entrar em forma, foi sequestrado, jogou no sacrifício em Barueri e acabou expulso. Henrique, guardião da defesa, foi expulso por tomar um soco na cara (sic) contra o Grêmio e desfalcou o time na primeira final. Quando voltou, voltou com febre. De 39 graus. (Sempre segundo seu empresário, que usou o Twitter para dar a má notícia). Maikon Leite, o homem dos contra-ataques, apanhou tanto no jogo do fim de semana que virou dúvida. Luan, talismã do treinador, também voltava de lesão (no fim, foi a campo, mas com uma perna só).
A bruxa estava solta: de Curitiba surgiam rumores de que parte do elenco andava baqueada pelo vírus da gripe. E que na véspera os jogadores passavam por uma turbulência brava no avião. Um grupo de torcedores passaria por apuros durante o voo no dia seguinte. Chegaram à capital paranaense e encontraram frio, chuva e torcedores coxa-branca já com a faixa de campeão no peito. Tudo isso numa semana em que a frase mais ouvida pelas ruas era o já insuportável “Vai, Corinthians”, multiplicado em proporção geométrica desde a conquista da Libertadores havia menos de uma semana.
O jogo já tinha começado mas o azar parecia longe de dar sossego: antes mesmo do segundo tempo, Thiago Heleno, que fazia boa partida, teve de deixar o campo por contusão. O Palmeiras que estava em campo era, em tese, um arremedo de time.
A tragédia parecia anunciada e o palmeirense já desconfiava que a lista de fiascos engordaria ao fim da noite. Motivos para desconfiar não faltavam. Desde o fim da parceria com a Parmalat os dias andavam (andam) complicados na Academia. Jogando para o gasto, o time foi ao inferno com o rebaixamento em 2002 e desde então viu os maiores rivais tomarem a dianteira. Crianças com a camisa do clube viraram coisa rara – convencê-las a não virar a casaca se tornou tarefa inglória. Houve alento em 2008: a parceria com uma empresa de marketing levantou dinheiro e um bom elenco, mas o time que venceu o Paulista daquele ano não manteve o ritmo e se desmontou. No ano seguinte, chegou a liderar o Campeonato Brasileiro por várias rodadas, mas sucumbiu ao ser abatida por uma crise de confiança sem precedentes.
Parecia uma sina: o time quando não empolgava perdia; e quando empolgava também perdia. Assim, a prateleira de traumas foi se acumulando: desclassificação ridícula nos pênaltis contra o Atlético Goianiense e goleada humilhante contra o Coritiba, ambos pela Copa do Brasil, e o selo de coadjuvante nos Paulistas e Brasileiros que se seguiram. A história parecia mudar na Sul-Americana de 2010, mas o time, já treinado por Luiz Felipe Scolari, desperdiçou a chance ao ser batido em casa por um já rebaixado Goiás. Era mais um capítulo da série de tragédias evitáveis.
Em 2012, nada sinalizava que o final da história seria diferente, mas, aos poucos e aos trancos, o time foi tomando forma e ganhando confiança até chegar a uma improvável final – quando todos já faziam contas para o velório depois dos jogos contra o Grêmio.
E justamente quando tudo parecia dar errado é que a coisa se inverteu. Betinho, o substituto de Barcos na decisão, deixou a torcida em polvorosa quando foi a campo. Pois foi fundamental nos dois jogos: sofreu o pênalti que abriu a porteira e no jogo de volta marcou o gol do título. E não qualquer título.
As outras torcidas, acostumadas a ganhar de tudo nos últimos anos, podem até desdenhar o feito. Mas o palmeirense têm hoje motivos de sobra para comemorar. Não só porque levaram um caneco nacional depois de 12 anos. Mas porque finalmente tiraram o peso da ansiedade herdada pelos fiascos recentes – quando tudo saía errado mesmo quando todas as apostas eram certas. Entre essas apostas, nenhuma foi mais ousada do que a repatriação, em 2010, do técnico Luiz Felipe Scolari e dos ídolos Valdivia e Kleber.
A estratégia era fazer o torcedor voltar a gostar do Palmeiras com a ajuda de jogadores consagrados com a camisa do clube. Mas, como tudo no Parque Antártica, nada seria tão fácil: Kleber entrou em atrito com técnico e elenco e deixou o clube atirando para todos os lados; Valdivia quase não atuava e Felipão parecia ter perdido a estrela das conquistas já antigas.
Por sorte (ou teimosia), eles tiveram tempo para recuperar o prestígio – com a óbvia exceção de Kleber. Mesmo fora da decisão, o chileno foi peça-chave na reta final da Copa do Brasil e Felipão, depois de dois anos do retorno, conseguiu enfim encontrar um padrão tático para o time. Ajudado fora de campo pelos campeões César Sampaio, Galeano e Marcos, ele fechou com o grupo, escolheu a dedo seus homens de confiança (Bruno, Marcos Assunção e Henrique) e botou fé nas apostas que poucos torcedores aprovariam (Luan, João Vitor e, agora, Betinho). Contra tudo e contra todos (até mesmo as paredes de ouvidos imensos da Academia), Felipão segurou a pressão – e quem fez o volante Kleberson jogar o que jogou numa final de Copa do Mundo sempre sabe o que faz.
A recompensa pela teimosia se consolidou num feito notável: colocar o Palmeiras de volta ao lugar onde o deixou numa já distante década de 90. Um lugar de onde jamais merecia ter saído.
Na tarde da quarta-feira 11, corria entre os amigos a aposta de que, em caso de novo desfalque, Luiz Felipe Scolari teria de escalar o auxiliar-técnico Flávio Murtosa como opção de ataque no jogo contra o Coritiba. A sequência incrível de incidentes que acometia o elenco palmeirense às vésperas da decisão tinha cara, cor e forma de uma nova tragédia.
Wesley, comprado a peso de ouro no começo do ano, jogou meia dúzia de partidas, se quebrou e encerrou precocemente a temporada. Barcos, a esperança de gols, foi atacado por uma apendicite e ficou fora da decisão. Valdivia, justo quando começava a entrar em forma, foi sequestrado, jogou no sacrifício em Barueri e acabou expulso. Henrique, guardião da defesa, foi expulso por tomar um soco na cara (sic) contra o Grêmio e desfalcou o time na primeira final. Quando voltou, voltou com febre. De 39 graus. (Sempre segundo seu empresário, que usou o Twitter para dar a má notícia). Maikon Leite, o homem dos contra-ataques, apanhou tanto no jogo do fim de semana que virou dúvida. Luan, talismã do treinador, também voltava de lesão (no fim, foi a campo, mas com uma perna só).
A bruxa estava solta: de Curitiba surgiam rumores de que parte do elenco andava baqueada pelo vírus da gripe. E que na véspera os jogadores passavam por uma turbulência brava no avião. Um grupo de torcedores passaria por apuros durante o voo no dia seguinte. Chegaram à capital paranaense e encontraram frio, chuva e torcedores coxa-branca já com a faixa de campeão no peito. Tudo isso numa semana em que a frase mais ouvida pelas ruas era o já insuportável “Vai, Corinthians”, multiplicado em proporção geométrica desde a conquista da Libertadores havia menos de uma semana.
O jogo já tinha começado mas o azar parecia longe de dar sossego: antes mesmo do segundo tempo, Thiago Heleno, que fazia boa partida, teve de deixar o campo por contusão. O Palmeiras que estava em campo era, em tese, um arremedo de time.
A tragédia parecia anunciada e o palmeirense já desconfiava que a lista de fiascos engordaria ao fim da noite. Motivos para desconfiar não faltavam. Desde o fim da parceria com a Parmalat os dias andavam (andam) complicados na Academia. Jogando para o gasto, o time foi ao inferno com o rebaixamento em 2002 e desde então viu os maiores rivais tomarem a dianteira. Crianças com a camisa do clube viraram coisa rara – convencê-las a não virar a casaca se tornou tarefa inglória. Houve alento em 2008: a parceria com uma empresa de marketing levantou dinheiro e um bom elenco, mas o time que venceu o Paulista daquele ano não manteve o ritmo e se desmontou. No ano seguinte, chegou a liderar o Campeonato Brasileiro por várias rodadas, mas sucumbiu ao ser abatida por uma crise de confiança sem precedentes.
Parecia uma sina: o time quando não empolgava perdia; e quando empolgava também perdia. Assim, a prateleira de traumas foi se acumulando: desclassificação ridícula nos pênaltis contra o Atlético Goianiense e goleada humilhante contra o Coritiba, ambos pela Copa do Brasil, e o selo de coadjuvante nos Paulistas e Brasileiros que se seguiram. A história parecia mudar na Sul-Americana de 2010, mas o time, já treinado por Luiz Felipe Scolari, desperdiçou a chance ao ser batido em casa por um já rebaixado Goiás. Era mais um capítulo da série de tragédias evitáveis.
Em 2012, nada sinalizava que o final da história seria diferente, mas, aos poucos e aos trancos, o time foi tomando forma e ganhando confiança até chegar a uma improvável final – quando todos já faziam contas para o velório depois dos jogos contra o Grêmio.
E justamente quando tudo parecia dar errado é que a coisa se inverteu. Betinho, o substituto de Barcos na decisão, deixou a torcida em polvorosa quando foi a campo. Pois foi fundamental nos dois jogos: sofreu o pênalti que abriu a porteira e no jogo de volta marcou o gol do título. E não qualquer título.
As outras torcidas, acostumadas a ganhar de tudo nos últimos anos, podem até desdenhar o feito. Mas o palmeirense têm hoje motivos de sobra para comemorar. Não só porque levaram um caneco nacional depois de 12 anos. Mas porque finalmente tiraram o peso da ansiedade herdada pelos fiascos recentes – quando tudo saía errado mesmo quando todas as apostas eram certas. Entre essas apostas, nenhuma foi mais ousada do que a repatriação, em 2010, do técnico Luiz Felipe Scolari e dos ídolos Valdivia e Kleber.
A estratégia era fazer o torcedor voltar a gostar do Palmeiras com a ajuda de jogadores consagrados com a camisa do clube. Mas, como tudo no Parque Antártica, nada seria tão fácil: Kleber entrou em atrito com técnico e elenco e deixou o clube atirando para todos os lados; Valdivia quase não atuava e Felipão parecia ter perdido a estrela das conquistas já antigas.
Por sorte (ou teimosia), eles tiveram tempo para recuperar o prestígio – com a óbvia exceção de Kleber. Mesmo fora da decisão, o chileno foi peça-chave na reta final da Copa do Brasil e Felipão, depois de dois anos do retorno, conseguiu enfim encontrar um padrão tático para o time. Ajudado fora de campo pelos campeões César Sampaio, Galeano e Marcos, ele fechou com o grupo, escolheu a dedo seus homens de confiança (Bruno, Marcos Assunção e Henrique) e botou fé nas apostas que poucos torcedores aprovariam (Luan, João Vitor e, agora, Betinho). Contra tudo e contra todos (até mesmo as paredes de ouvidos imensos da Academia), Felipão segurou a pressão – e quem fez o volante Kleberson jogar o que jogou numa final de Copa do Mundo sempre sabe o que faz.
A recompensa pela teimosia se consolidou num feito notável: colocar o Palmeiras de volta ao lugar onde o deixou numa já distante década de 90. Um lugar de onde jamais merecia ter saído.
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