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O que se sabe sobre o caso dos brasileiros vítimas de tráfico humano em Mianmar

Phelipe Ferreira e Luckas Viana se tornaram vítimas do esquema após falsas propostas de emprego

O que se sabe sobre o caso dos brasileiros vítimas de tráfico humano em Mianmar
O que se sabe sobre o caso dos brasileiros vítimas de tráfico humano em Mianmar
Phelipe Ferreira e Luckas Viana se tornaram vítimas de rede de tráfico humano em Mianmar após falsas propostas de emprego. Fotos: Reprodução
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Ao menos dois brasileiros estão aprisionados em Mianmar, no Sudeste Asiático, vítimas de tráfico humano.

O caso ganhou repercussão em outubro, quando o brasileiro Luckas Viana dos Santos, de 31 anos, que já morava entre Filipinas e a Tailândia recebeu uma suposta proposta de emprego.

Após contato com supostos profissionais de RH de uma empresa de tecnologia e a oferta de uma boa vaga, a vítima aceitou ser levada à cidade tailandesa de Mae Sot, que faz fronteira com Mianmar, por uma pessoa que se apresentou como representante da companhia. O trajeto aconteceu no dia 7 de outubro.

Durante o percurso, Luckas trocou mensagens com um amigo que mora nas Filipinas e relatou desconfiança pelo fato de o trajeto durar mais do que as 4 horas estimadas, e também por ter, em certo momento, adentrado em uma selva, pego um barco e um carro. Em certo momento da conversa, o brasileiro desconfia não estar mais na Tailândia após ver placas na estrada em birmanês, língua oficial de Mianmar. “Parece tráfico”, chegou a registrar a vítima na conversa.

Há registros de que Luckas chegou a pedir ao amigo para chamar a polícia, mas recuou dizendo que estava tentando resolver a situação e que tinham muitas pessoas armadas em seu entorno.

No dia seguinte, a vítima entrou em contato novamente com o amigo dizendo que teria que entregar o celular. A vítima conseguiu se comunicar com a mãe por poucas vezes, em uma delas, afirmando que não estava bem, sem dar maiores detalhes.

Por um mês, Luckas passou a mandar mensagens esporádicas ao amigo, sempre de números diferentes, e pelo Telegram, com textos abreviados para dificultar traduções e pedidos para que o amigo não respondesse. Nas mensagens, relatou trabalho forçado por mais de 15 horas, sob ameaças e castigos, além de condições de vida sub-humanas, com privação de água e punições físicas.

“Só quero ir embora. Me ajude, tenho muito medo de morrer. (…) Faz dois dias que não tomo banho. Nós trabalhamos mais de 15 horas por dia. Isso não é vida, não sei o que fazer. Eu quero ir embora ou morrer”, registrou a vítima, em uma das mensagens.

O contato com a família e o amigo cessou há cerca de um mês. Segundo familiares, na última troca de mensagens, Luckas estaria cheio de hematomas e sem conseguir andar pelos castigos físicos que teria sofrido.

No fim de novembro, mais um jovem relatou ter sido levado ao local, com a mesma promessa de emprego. O brasileiro Phelipe de Moura Ferreira passou a se comunicar com o pai por meio de mensagens há cerca de uma semana, relatando sofrer ameaças de ter seus órgão retirados, além de sofrer tortura diariamente. Até então, o jovem tinha sido dado como desaparecido pela família. Phelipe afirmou estar na mesma localidade de Luckas que, segundo seu relato, segue sendo vítima de castigos.

Como é o complexo em Mianmar onde estão os brasileiros

Segundo o jornal O Globo, a localidade onde os brasileiros se encontram chamada ‘KK Park‘ contempla um complexo de “fábricas de golpes” nas quais estrangeiros aliciados por falsas promessas de empregos são obrigados a aplicar fraudes cibernéticas em vítimas ao redor do planeta. Outros brasileiros e estrangeiros resgatados do KK Park já descreveram terem sido submetidos a rotinas de agressões, ameaças de morte e condições precárias.

Mianmar é um país governado por uma Junta Militar e mergulhado há anos em um conflito civil. A instabilidade institucional do país abriu espaço para que grupos criminosos, muitos de origem chinesa, montassem lá suas bases para operações clandestinas. Os bandidos associam-se às facções locais de modo a garantir a continuidade dos negócios ilegais, enquanto aliciam estrangeiros com as falsas propostas de emprego.

Luckas e Phelipe não são os primeiros brasileiros a ficarem presos no KK Park. Em 2022, há o registro de que Patrick Lopes, de 24 anos, passou três meses no complexo, sendo obrigado a aplicar golpes em cidadãos americanos, juntamente a outros nove brasileiros. O grupo retornou ao país após uma negociação entre autoridades brasileiras e locais.

Em outubro, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc) descreveu, em um relatório, que espaços como o KK Park são ‘frequentemente’ cercados de muros altos com arame farpado e guardados por seguranças armados, comparados a prisões. As fábricas do complexo, segundo o órgão, são alugadas ao mesmo tempo para diferentes grupos e operadores criminosos. Em 2023, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos apontou que ao menos 120 mil pessoas estariam sendo mantidas nesses espaços em Mianmar. No vizinho Camboja, seriam mais 100 mil vítimas do tráfico humano.

O que diz o Itamaraty

Em nota, o Ministério das Relações Exteriores afirmou que acompanha com atenção o caso, por meio das Embaixadas do Brasil em Bangkok e em Yangon, e que está em contato com as autoridades competentes, inclusive policiais, e com os familiares dos brasileiros.

Informou ainda que, nas últimas semanas, realizou diversos contatos com o governo de Myanmar, com o objetivo de  localizar e resgatar os brasileiros, operação que compete às autoridades policiais locais.

“A Embaixada do Brasil em Yangon segue, igualmente, em contato frequente com os familiares dos assistidos, prestando-lhes assistência consular”, acrescentou.

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