Sociedade

O que está por trás da saída do presidente da EBC?

Américo Martins alegou questões pessoais para deixar o cargo, mas funcionários da empresa criticam intervenção política do governo

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Menos de seis meses após assumir o cargo de diretor-presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), o jornalista Américo Martins pediu demissão na terça-feira 2. Oficialmente, a decisão foi tomada por motivos pessoais. Extraoficialmente, porém, Martins estaria incomodado com supostas tentativas de intervenção política na EBC, vinculada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência República (Secom).

O afastamento de Martins, que foi acompanhado pela saída do diretor-geral da empresa, Asdrúbal Figueiró, provocou “apreensão” no Conselho Curador da EBC, segundo Rita Freire, presidenta do colegiado. “Essa súbita saída do presidente nos deixa alguns questionamentos. O que teria causado a saída? O Américo disse que vinha refletindo sobre isso e que decidiu sair por questões pessoais. Todo mundo tem esse direito, mas nós precisamos defender e consolidar o projeto de comunicação pública”, diz.

Segundo funcionários da EBC ouvidos por CartaCapital, as supostas intervenções políticas ocorrem na forma de indicações para cargos de direção e, ainda, pedidos que afetam diretamente o conteúdo jornalístico e a grade de programação da TV Brasil e da Agência Brasil. No último fim de semana, Martins teria se manifestado contra a transmissão de um jogo da série C do Campeonato Paulista, mas mesmo assim a partida foi ao ar na TV, em rede nacional.

Em nota conjunta, o Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal e a Comissão de Empregados da EBC criticam o “aparelhamento” da empresa com nomes indicados pela Secom para cargos de gestão.

“O ‘cabidão’, como passou a ser conhecido dentro da empresa, tornou-se pauta central da greve de dez dias que mobilizou quase mil trabalhadores da EBC em novembro de 2015”, diz o texto. A nota ainda cita a intervenção da pasta em reportagens. “Pautas positivas para o governo, como a transposição do Rio São Francisco, foram impostas sem abrir o devido espaço para o contraditório.”

O ministro-chefe da Secom, Edinho Silva, nega qualquer ingerência. À Folha de S.Paulo, Edinho diz que “nunca fez” nenhuma indicação política para a EBC e que a TV Brasil “sempre transmitiu campeonatos menores” para “puxar audiência”, inclusive na época em que Martins atuava na empresa como diretor-geral.

O Conselho Curador da EBC pediu esclarecimentos ao ministro e aguarda resposta sobre as alegações de ingerência. Rita Freire admite, no entanto, a existência de problemas. “Os trabalhadores gostariam que os cargos dentro da EBC fossem ocupados por pessoas do próprio quadro. Há uma queixa forte com relação a isso”, diz.

“Não temos nenhuma informação de intervenção, mas, se existe qualquer intenção desse tipo ela vai bater de frente com o Conselho Curador, porque a nossa função é não permitir que a EBC seja partidarizada ou se submeta a interesses de mercado”, continua Freire.

Segundo a presidenta do Conselho Curador, mudanças repentinas na direção da empresa deixam “vulnerável” o projeto de comunicação pública. “O conselho está bastante preocupado com que o plano de trabalho seja respeitado e que o próximo presidente venha comprometido com o projeto de comunicação, e não com qualquer outro projeto”, afirma.

Com a demissão de Martins, quem assume interinamente o cargo é o jornalista Mario Maurici, vice-presidente da EBC. Maurici já foi prefeito de Franco da Rocha (Grande SP) pelo PT e presidente da Ceagesp, a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo, empresa pública vinculada ao Ministério da Agricultura.

Comunicação pública

O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) manifestou “grande preocupação com o crescente processo de degradação da autonomia da EBC”. Em nota, o FNDC afirma que as denúncias de ingerência cresceram nos últimos tempos, especialmente durante a greve de novembro, e que tais episódios “evidenciam uma das incompreensões mais graves sobre a EBC, que é a confusão entre comunicação pública e comunicação governamental”.

Para o FNDC, essa confusão traz prejuízo à sociedade. “Num país que sempre privilegiou a massificação da mídia privada-comercial, que trata a comunicação como mercadoria e a população como mera consumidora, o papel da mídia pública nunca foi tão crucial para o aprofundamento da nossa democracia”, diz a nota.

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