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O que diz o ouvidor das Polícias após a morte de estudante de medicina

Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, levou um tiro a queima-roupa durante abordagem policial na zona sul de São Paulo

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Créditos: Reprodução Instagram
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“Uma tragédia anunciada”. É dessa forma que o ouvidor das Polícias de São Paulo, Cláudio Aparecido da Silva, avalia a abordagem policial ocorrida na madrugada da quarta-feira 20, em São Paulo, e que levou à morte o estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos.

O jovem levou um tiro a queima-roupa de um policial em um hotel na zona sul de São Paulo. Segundo o relato dos policiais militares Guilherme Augusto Macedo e Bruno Carvalho do Prado, durante patrulhamento na região, o jovem teria desferido um tapa no retrovisor da viatura e, em seguida, fugido. Ainda de acordo com o boletim de ocorrência, Marco correu para o interior do Hotel Flor da Vila Mariana, onde estava hospedado com uma mulher. Os PMs também afirmaram que o jovem apresentava comportamento alterado e agressivo.

As imagens mostram o jovem no saguão do hotel, sem camisa, sendo perseguido pelos policiais. Um dos agentes tentou puxar Marco Aurélio pelo braço, enquanto o outro o chutou. Em seguida, o estudante segurou a perna do policial, que caiu no chão.

Durante a confusão, o PM Guilherme atirou na altura do peito do estudante. No boletim de ocorrência, os policiais alegaram que o jovem teria tentado pegar a arma de Bruno. A tentativa, no entanto, não consta nas imagens da câmera de segurança que flagrou a ação.

O policial que disparou o tiro que matou Marco Aurélio foi indiciado por homicídio doloso no inquérito instaurado para investigar o caso. O agente e seu companheiro de ronda foram afastados de atividades operacionais até a conclusão das apurações. O caso é investigado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), com acompanhamento da Corregedoria da Polícia Militar.

Confira os principais trechos da conversa.

‘Tragédia anunciada’

A gente não se surpreende com essa tragédia. Infelizmente há alguns meses a Ouvidoria da polícia tem denunciado aos quatro cantos e mobilizado várias autoridades, inclusive o próprio Ministério Público do Estado de São Paulo, em relação a quantas andam a postura e a atuação da Polícia Militar. Trata-se de uma tragédia anunciada. Se continuar na mesma perspectiva que está desde o início desse governo, teremos que conviver com outras tragédias como essa nos próximos tempos.

A novidade desse caso, o que fica provado, é que não serão só pretos e pobres as vítimas dessas atrocidades. A gente percebe que a violência escala e alcança inclusive a classe média, o que nos leva a crer que as diferenças de classe e raça não interferirão nesse comportamento letal que a polícia está tendo no Estado de São Paulo.

“Sucessão de erros”

O que a gente percebe é uma sucessão de erros por parte dos policiais. Eles [os policiais] são treinados e capacitados com práticas e técnicas de de abordagem em que se estabelece o uso gradativo da força. Isso significa que eles poderão tomar proveito daquele treinamento que eles têm de defesa pessoal para abordar uma pessoa que talvez esteja em surto, alterado, ou por alguma situação de sofrimento psíquico que não a permita responder a uma ordem legal de parada, para que seja abordado.

Para além disso eles teriam a tonfa, conhecido como cassetete, a possibilidade de usar a arma taser [de choque], de menor potencial ofensivo. E, por último, só se efetivamente o comportamento dessa pessoa atentasse contra a vida dos policiais é que eles poderiam usar a arma. O que a gente percebe ali é que isso não acontece. Eles desconsideram todo esse caminho que deveria ser percorrer o uso progressivo da força e vão direto no equipamento mais letal que eles têm para tentar vencer esse jovem, que, diga-se de passagem, não investiu contra os policiais, como foi dito na nota da Secretaria de Segurança Pública. A nota da pasta tenta legitimar a ação dos policiais que a gente sabe que é totalmente ilegítima.

‘Uma polícia que mata’

Nos últimos 20 anos, a Polícia Militar do Estado de São Paulo tem apresentado uma série de dados e números que corroboram com o aperfeiçoamento profissional da sua polícia, para que as polícias estejam casa vez mais enquadradas nos procedimentos operacionais padrão e para que os policiais tenham cada vez mais segurança jurídica para poder atuar. Esse conjunto de medidas fez com que a polícia tenha reduzido, de forma bastante singular as mortes decorrentes de intervenção policial. Lógico que a gente acha que 470 mortes pela polícia em um ano ainda é um número alto e por isso a gente já criticava a polícia lá em 2022, mas a gente reconhece que, até aquele momento, havia essa lógica de profissionalização que garantia proteção tanto para os policiais quanto para a sociedade.

O que aconteceu a partir de 2023 foi que a gente começou a lidar com uma perspectiva de Segurança Pública que acha que uma polícia letal, uma polícia que mata, colabora para redução da criminalidade e redução da violência e a gente sabe que isso não está acontecendo. Já em 2023 os números de mortes em decorrência de intervenção policial deram um salto em relação a 2022 e, este ano, esses números estão dando um salto ainda maior. E a gente não percebe a alteração da violência nas ruas, nas mortes violentas, nos assaltos, nos furtos, roubos, nas violências contra as mulheres. Todos esses índices estão crescendo ou em tendência de crescimento, o que nos leva a crer que essa política de segurança pública que está sendo implementada no Estado de São Paulo não tem qualquer sentido. Me apresenta um nome do crime organizado que o Derrite prendeu, ele não prendeu e não vai prender porque essas pessoas não estão em favelas, que é onde eles estão matando as pessoas.

‘Tarcísio precisa reorientar a segurança pública’

O governador Tarcísio de Freitas precisa tomar uma decisão de reorientar a atuação da política de segurança pública do governo. Se por isso passa a demissão do secretário Guilherme Derrite ou não, isso é uma decisão que o governador tem que tomar no âmbito do gabinete, dialogando com as pessoas que dirigem o governo e com o próprio secretário. Agora, na atual condição, nós não podemos continuar.

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