Sociedade
O PCC e o risco de o Brasil se tornar um estado falido
Se o domínio da facção continuar se expandindo, a violência pode explodir
Em boa parte das redações de São Paulo, por muito tempo, não se podia citar o PCC nas reportagens. Editores justificavam a medida como forma de evitar publicidade para o crime organizado. A receita era diluir a autoria dos crimes, chamando os autores apenas de traficantes. Mas a realidade volta e meia se impõe e o submundo vem à tona. Foi o que aconteceu há poucos dias, com os mais de 100 mortos em presídios no norte do País.
Os massacres no Amazonas e em Roraima são sinais perigosos do poder crescente do PCC. Enquanto o establishment tentava invisibilizá-los, o grupo cresceu e se expandiu. Depois de monopolizar o mercado de drogas em São Paulo, onde nasceu no rescaldo do massacre do Carandiru, em 1993, expandiu-se para estados vizinhos e até mesmo para outros países, como o Paraguai.
Para ganhar território, o PCC usou como tática eliminar concorrentes ou aliar-se a eles. A insólita aliança com o Comando Vermelho, no Rio de Janeiro, recentemente desfeita, pode ser o motor do atual conflito, já que o grupo carioca seria aliado à Família do Norte, com quem o PCC vem se enfrentando.
Se o PCC se impuser no Norte, como já vem fazendo no Rio, ele não será apenas o maior grupo de crime organizado no País – será um dos grandes players do narcotráfico regional e um dos maiores desafios que o Brasil tem pela frente. Nunca o País teve um grupo criminoso tão organizado, e no momento de nossa maior fragilidade institucional em décadas.
Há sinais de que o PCC esteja se infiltrando no estado. Nas eleições municipais, em várias cidades de São Paulo, falou-se de candidatos financiados pelo grupo. Colômbia e México já passaram pela experiência e o resultado foi trágico, ao verem a falência do Estado no combate ao crime.
Para entender o que está acontecendo nos presídios do Norte, é bom olhar para a história recente de São Paulo e a do próprio PCC, muito bem contada pela pesquisadora Camila Nunes Dias, em sua tese de doutorado pela Fundação Getúlio Vargas. O grupo nasceu como reação à violência institucional praticada desde sempre nas masmorras brasileiras, escancarada para o mundo no massacre do Carandiru.
O PCC foi fundado, então, para proteger os “irmãos da cadeia”, botar ordem interna nos presídios e criar uma rede de proteção aos familiares dos detentos. Nasceu como máfia, ao prover e cobrar por proteção e assim garantir a integridade física dos presos, o que o Estado nunca foi capaz de fazer.
Ainda que controlado de dentro das celas, o PCC ganhou lastro na sociedade, ao dar assistência aos familiares dos detentos. É o PCC quem dá transporte para familiares visitarem os presos, quem garante o sustento de mulheres e filhos de prisioneiros.
Só que não demorou para o PCC deixar de ser apenas uma máfia para entrar no lucrativo mercado de drogas. E esta é a espinha dorsal do sistema. Qualquer medida para conter a violência, dentro e fora os presídios, que não seja a descriminalização de todas as drogas e a legalização da produção e venda de maconha será apenas paliativa.
Por isso a proposta do governo de construir mais presídios é mero enxugamento de gelo, conversa para distrair a plateia.
Em São Paulo, é possível repassar a história do PCC analisando o índice de homicídios. Em 1993, ano de fundação do PCC, havia 28 mortos por 100 mil habitantes. A violência dispara em seguida, na fase em que o PCC vai para a guerra, eliminando concorrentes e se atracando com a polícia. Em 2001, já eram 42 por 100 mil, no auge das rebeliões em São Paulo, sempre segundo dados oficiais.
Após o PCC dominar os presídios e eliminar os concorrentes, passa-se a uma segunda fase, em que começam a cair os homicídios. Mas a violência ainda é alta, até porque há ainda uma efetiva política de repressão dos criminosos pela polícia.
A terceira fase começa após o PCC dar um xeque mate nas autoridades em 2006. Na ocasião o estado criou o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), que isolou líderes do grupo nos presídios. Foi o estopim para os criminosos atacarem delegacias e PMs, espalhando medo e um caos nunca antes visto na maior cidade do país. Foi o momento em que o PCC conquistou definitivamente o território. Na época, o índice de homicídios era de 19 por 100 mil
A partir daí, começa a queda vertiginosa dos homicídios em São Paulo. É o resultado do que estudiosos chamam de “pax criminosa”, o tão falado acordo do PCC com o governo paulista. Sem concorrentes e com a conivência do Estado, o grupo segue livre com os negócios. Já não há mais mortes em conflitos com rivais.
O Estado, por outro lado, entendeu que não conseguirá bancar o conflito. E assim todos ganham uma falsa sensação de segurança, sem rebeliões e com menos homicídios. O governo chegou anunciar uma taxa menor a 10 por 100 mil em 2015, embora haja controvérsias sobre a precisão dos dados.
Não se sabe até quando durará a trégua criminosa em São Paulo. Se o que aconteceu no estado se replicar no País, é possível que tenhamos uma explosão da violência no Rio e no norte nos próximos meses.
Resta saber como o governo desacreditado de Michel Temer vai administrar a crise de segurança, como se já não bastasse a ruína das instituições políticas e da economia. A única certeza é que não será Alexandre de Moraes o ministro da Justiça capaz de segurar essa marimba. Faltam a ele condições políticas e morais para dar conta da história.
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