Sociedade

O nascimento da pílula

Mãe da Revolução Sexual, a pílula anticoncepcional surgiu do desejo de dar mais liberdade às mulheres

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Mãe da chamada Revolução Sexual da década de 1960, a pílula anticoncepcional foi descoberta nos Estados Unidos por um quarteto inusitado: a enfermeira e ativista pelo direitos das mulheres à contracepção Margaret Sanger, o cientista Gregory Pincus, o ginecologista e obstetra John Rock e a bióloga e feminista Katharine McCormick, responsável por financiar, com a fortuna herdada da família, a busca por um medicamento capaz de impedir a concepção e, consequentemente, reduzir os casos de gravidez não-planejadas.

“Ela era uma idosa que adorava sexo, passando os últimos 40 anos buscando uma forma de melhorá-lo ainda mais. Apesar de seu cabelo vermelho ter embranquecido e, seu coração, começado a falhar, ela não desistiu. Seu desejo, dizia, era forte e simples: queria um método científico de controle de natalidade, algo mágico que permitiria à mulher fazer sexo tão frenquentemente quanto desejasse sem engravidar. Tratava-se de um desejo razoável, em sua opinião, apesar das negativas recebidas ao longo dos anos por diversos cientistas. Essa mulher era Margaret Sanger”, conta o jornalista Jonathan Eig no livro The Birth of The Pill: How Four Crusaders Reinvented Sex and Launched a Revolution (“O Nascimento da Pílula: Como quatro pioneiros reinventaram o sexo e criaram uma revolução”, em tradução livre)

Criadora do termo “controle de natalidade”, Margaret lutou praticamente sozinha pelo movimento dos direitos contraceptivos das mulheres nos Estados Unidos. Para ela, as mulheres não teriam direitos iguais enquanto não se libertassem sexualmente. Pioneira, abriu em 1916 a primeira clínica de controle de natalidade do país, no bairro nova-iorquino do Brooklyn.

Em uma época em que a distribuição de contraceptivos era ilegal em Nova York, Margaret foi presa com apenas nove dias da clínica em funcionamento. Solta após pagamento de fiança, Margaret foi presa novamente pouco depois, junto com a irmã, Ethel Byrne. Sentenciada a 30 dias de prisão domiciliar, Ethel chegou a fazer greve de fome em protesto. Foi a primeira vez na história do país que uma mulher foi alimentada compulsoriamente.   

No entanto, após décadas de trabalho e outras prisões e julgamentos, os métodos contraceptivos disponíveis – especialmente preservativos – permaneciam ineficazes e antipráticos, além da difícil obtenção. Seu desejo era obter um método fácil, barato e a prova de falhas, de preferência, uma pílula, possível de ser ingerida com ou sem a permissão do homem com o qual a mulher pretendia dormir. Seria possível?

O sonho começou a se tornar realidade na década de 1950, quando convenceu a rica filântropa e feminista Katherine McCormick a financiar a pesquisa do biólogo e cientista Gregory Pincus. Os estudos são iniciados em 1953 e, após testes clínicos nos EUA e em Porto Rico, a pílula é aprovada pela agência reguladora norte-americana, a FDA, como um método eficaz para amenizar distúrbios menstruais.

Comercializado a partir de 1957, a bula do medicamento em questão – o Enovid – o alertava para um efeito colateral: pode causar suspensão temporária da fertilidade. Foi o suficiente para que o medicamente se tornasse popular.

A pílula anticoncepcional é formada por dois hormônios combinados. O primeiro, a progesterona, é a responsável pelo efeito contraceptivo da pílula, enquanto o estrogênio controla o fluxo menstrual e potencializa o efeito do outro hormônio. A fim de evitar a gravidez, a progesterona contida no medicamento “engana” o cérebro e impede a liberação do hormônio FSH, responsável pelo crescimento do óvulo. Tal mecanismo impede a ovulação de fato.

Em 1960, a pílula foi liberada para uso contraceptivo. Com isso, pela primeira vez, as mulheres passaram a deter o controle sobre a possibilidade de engravidar, o que propiciou que muitas vivessem uma vida sexual mais plena e livre. No entanto, apesar dos riscos de uma complicação grave como a trombose serem considerados hoje estatisticamente pequenos, a polêmica sobre os efeitos adversos do medicamento existe desde o seu lançamento.

Adotado quase que automaticamente por milhões de mulheres (6,5 milhões de americanas em 1965), a pílula recebeu críticas de todos os lados, do mais alto representante da Igreja Católica na época, o Papa João VI, aos ativistas do movimento negro norte-americano, que condenavam a distribuição do contraceptivo para as camadas mais pobres da população.

A discussão sobre os efeitos adversos veio logo na sequência. Em 1969, Barbara Seaman relatou muitas das complicações presentes até hoje no debate sobre a segurança do medicamento para as mulheres: os riscos de trombose, depressão, AVC e a diminuição da libido.

Uma década depois, a pílula sofreu o primeiro baque em suas vendas, após uma forte campanha sobre os riscos do medicamento para a saúde, entre 1975 e 1979. Em 1988, o Enovid, com alta dose de hormônios, é tirado do mercado e é aberto o espaço para contraceptivos com menores doses hormonais.

Margaret morreu em 1966, aos 86 anos, um ano após a Suprema Corte dos Estados Unidos legalizar os anticoncepcionais no país. Atualmente, 100 milhões de mulheres no mundo todo optam pela pílula anticoncepcional.   

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