A forma como a Polícia Civil e o Poder Judiciário do Rio de Janeiro conduziram o inquérito que resultou no indiciamento de ativistas pelo crime de formação de quadrilha armada é uma grave afronta ao Estado Democrático de Direito, e, não à toa, foi repudiada por juristas e entidades de defesa dos Direitos Humanos em todo o país.
Sempre defendi que a luta política é pedagógica, baseada nas mobilizações sociais, no diálogo e no respeito à dignidade humana. Discordo profundamente de qualquer grupo que use a violência como método. No entanto, a democracia é um princípio inegociável. Não podemos admitir que o Estado, por motivações políticas, use seu aparato institucional para atacar a liberdade e os direitos civis, cuja reconquista recente foi tão difícil.
Todo o processo precisa ocorrer dentro dos limites legais, respeitando as garantias constitucionais. Mas vemos uma atuação típica de uma polícia política, cujo objetivo é minar a legitimidade de todos os movimentos sociais, não apenas aqueles acusados de praticar atos violentos.
A lista de violações começa com as investigações da Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI). Os delitos que cada um dos indiciados teria praticado não foram individualizados e não foram apresentadas provas concretas sobre eles.
Pressuposto essencial para proteger os cidadãos dos abusos cometidos pelo Estado, o direito de defesa foi violado. Ao contrário da imprensa, os advogados do grupo não tiveram acesso integral ao inquérito. Nem o desembargador da 7ª Câmara Criminal Siro Darlan, responsável por revogar as prisões, obteve o documento dentro do prazo legal.
Os problemas persistiram após o inquérito ser entregue ao Ministério Público. Como noticiou o jornalista Lucas Vettorazzo, da Folha, o promotor Luís Otávio Figueira Lopes, da 26ª Promotoria de Investigação Criminal, teve menos de duas horas para analisar o documento de cerca de duas mil páginas, antes de enviá-lo ao Tribunal de Justiça. Se ele realmente leu o material, o promotor consumiu impressionantes 16 páginas por minuto.
O cenário não é novo. Reivindicações legítimas e urgentes, como o fim do aumento da passagem de ônibus, a abertura da caixa-preta dos transportes, a reforma política e a defesa da educação pública, por exemplo, foram tratadas como casos de polícia desde o princípio. O grande número de pessoas nas ruas diminuiu muito não porque as pautas foram atendidas, mas porque houve uma escalada de violência desproporcional pratica pelo estado e por parte reduzida dos manifestantes.
Sem partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais, participação popular nas decisões do Estado e direito de livre manifestação não há democracia plena. Não podemos admitir que, no aniversário de 50 anos do golpe, a nostalgia dos discursos sobre os supostos subversivos e a preocupação com a manutenção da ordem ganhem corpo e sirvam para mutilar direitos.
* Marcelo Freixo é deputado estadual pelo Psol-RJ