Sociedade

O jogador universal

Ele é o descobridor de espaços ou, como dizem os boleiros, o “cara que lê o jogo”. Messi é o virtuose que “lê o jogo”

O craque do Barcelona Lionel Messi. Foto: Lluis Gene/AFP Photo
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Topei, com o pé atrás, o desafio que me lançou CartaCapital, escrever sobre Messi. Passado o susto, descobri as origens dos meus receios: as armadilhas da admiração pelo jogador, tão perigosas quanto as do preconceito, se juntavam aos riscos de afundar no mar das banalidades diante de reconhecidas reputações do comentário esportivo que se manifestam nesta edição. Para iludir os perigos da admiração basbaque e escapar das contingências da crítica inepta, começo modestamente por uma confissão. Melhor dito, inicio meus comentários pela revelação do impulso típico do verdadeiro torcedor: sempre na esperança de degustar a esplendorosa regularidade de Messi, não perco os jogos do Barça e, heresia, da seleção argentina.

Garanto ao leitor que não abuso do paradoxo. Messi é regular na excelência de suas apresentações. Uma espécie de jogador universal, aquele tipo que todo torcedor gostaria de ter no seu time. O que importa para o torcedor universal – aquele que não só é adepto de um time, mas apaixonado pelo jogo da bola – é o prazer de desfrutar a arte do jogador universal.

O jogador universal não é o virtuose do drible desconcertante, mas o descobridor de espaços ou, como dizem os boleiros, “o cara que lê o jogo”. Pois o craque argentino é o virtuose que “lê o jogo”. Vi poucos como ele ao longo de minha nem tão curta vida de torcedor de futebol. Pelé, certamente, Ferenc Puskas, Ademir da Guia, Roberto Baggio, Zico…





No Barcelona de Messi,
mas também de Xavi e Iniesta, a estratégia de jogo é ao mesmo tempo a ocupação e a abertura de espaços. Os movimentos são executados sempre na cadência persistente da construção de novas relações espaço-tempo que fariam Albert Einstein confirmar as hipóteses da Teoria da Relatividade. Enquanto isso, os perplexos adversários se aprisionam e se embaralham nas equações da mecânica clássica. Essa é a sensação que tenho ao assistir, condoído, os contorcionismos impotentes dos times que se postam na defesa para segurar a avalanche da troca de passes e de mudança de ritmo.

A velocidade de Messi com a bola está sempre coordenada com a ampliação dos espaços cada vez mais apertados dos campos de futebol. Trancados por marcadores obedientes, os espaços não se abrem com a agressão direta, vertical. A barreira de marcadores só capitula diante das artimanhas do jogo aparentemente tedioso dos passes que tendem ao infinito, mas que terminam, sim, nas redes do adversário.

A bola corre de pé em pé, rolada na grama, com inteligência e habilidade. O “toca aqui, recebe lá”, o movimento de aproximação e criação de espaços, as viradas de jogo botam os contrários na roda. Amalgamadas ao movimento da equipe, as habilidades de Messi tornam quase impossível distinguir suas virtuosidades dos talentos dos companheiros.

Certa vez, o jornalista José Maria de Aquino disse que Maradona era o Che Guevara do futebol. Lutava como um guerrilheiro contra o “sistema” (e não como alguns ídolos de hoje, insistentes em sua missão de brigar com a bola.) Já Messi realiza o ideal gramsciano do esporte como “atividade difundida nas sociedades onde o individualismo econômico do regime capitalista transformou os costumes e, ao lado da liberdade econômica e política, suscitou também a liberdade espiritual e a tolerância em face da oposição”.

Deslizar no campo como se passeia na vida. Assim, Lionel Messi lida com as vicissitudes da fama: jogador mais famoso e cobiçado do mundo, ele resiste bravamente às tentações da celebridade. Passeia na vida como desliza no campo. Não admite saliências na sua vida privada. Mata suavemente as tentativas de invasão e preserva sua intimidade como protege a “perseguida” de zagueiros grandalhões que nem sequer conseguem ganhar na força física.

Por isso, Messi não se entrega ao cai-cai, na contramão de outros protagonistas do futebol global, igualmente brilhantes do ponto de vista técnico, mas obcecados pelas cintilações da sociedade do espetáculo e do protagonismo midiático. Nosso jogador universal carrega a bola junto aos pés e segura os safanões, na busca permanente do companheiro mais livre para receber. Poucos realizam com tal maestria a máxima de Gentil Cardoso: “Quem desloca recebe, quem pede tem preferência”.

Topei, com o pé atrás, o desafio que me lançou CartaCapital, escrever sobre Messi. Passado o susto, descobri as origens dos meus receios: as armadilhas da admiração pelo jogador, tão perigosas quanto as do preconceito, se juntavam aos riscos de afundar no mar das banalidades diante de reconhecidas reputações do comentário esportivo que se manifestam nesta edição. Para iludir os perigos da admiração basbaque e escapar das contingências da crítica inepta, começo modestamente por uma confissão. Melhor dito, inicio meus comentários pela revelação do impulso típico do verdadeiro torcedor: sempre na esperança de degustar a esplendorosa regularidade de Messi, não perco os jogos do Barça e, heresia, da seleção argentina.

Garanto ao leitor que não abuso do paradoxo. Messi é regular na excelência de suas apresentações. Uma espécie de jogador universal, aquele tipo que todo torcedor gostaria de ter no seu time. O que importa para o torcedor universal – aquele que não só é adepto de um time, mas apaixonado pelo jogo da bola – é o prazer de desfrutar a arte do jogador universal.

O jogador universal não é o virtuose do drible desconcertante, mas o descobridor de espaços ou, como dizem os boleiros, “o cara que lê o jogo”. Pois o craque argentino é o virtuose que “lê o jogo”. Vi poucos como ele ao longo de minha nem tão curta vida de torcedor de futebol. Pelé, certamente, Ferenc Puskas, Ademir da Guia, Roberto Baggio, Zico…





No Barcelona de Messi,
mas também de Xavi e Iniesta, a estratégia de jogo é ao mesmo tempo a ocupação e a abertura de espaços. Os movimentos são executados sempre na cadência persistente da construção de novas relações espaço-tempo que fariam Albert Einstein confirmar as hipóteses da Teoria da Relatividade. Enquanto isso, os perplexos adversários se aprisionam e se embaralham nas equações da mecânica clássica. Essa é a sensação que tenho ao assistir, condoído, os contorcionismos impotentes dos times que se postam na defesa para segurar a avalanche da troca de passes e de mudança de ritmo.

A velocidade de Messi com a bola está sempre coordenada com a ampliação dos espaços cada vez mais apertados dos campos de futebol. Trancados por marcadores obedientes, os espaços não se abrem com a agressão direta, vertical. A barreira de marcadores só capitula diante das artimanhas do jogo aparentemente tedioso dos passes que tendem ao infinito, mas que terminam, sim, nas redes do adversário.

A bola corre de pé em pé, rolada na grama, com inteligência e habilidade. O “toca aqui, recebe lá”, o movimento de aproximação e criação de espaços, as viradas de jogo botam os contrários na roda. Amalgamadas ao movimento da equipe, as habilidades de Messi tornam quase impossível distinguir suas virtuosidades dos talentos dos companheiros.

Certa vez, o jornalista José Maria de Aquino disse que Maradona era o Che Guevara do futebol. Lutava como um guerrilheiro contra o “sistema” (e não como alguns ídolos de hoje, insistentes em sua missão de brigar com a bola.) Já Messi realiza o ideal gramsciano do esporte como “atividade difundida nas sociedades onde o individualismo econômico do regime capitalista transformou os costumes e, ao lado da liberdade econômica e política, suscitou também a liberdade espiritual e a tolerância em face da oposição”.

Deslizar no campo como se passeia na vida. Assim, Lionel Messi lida com as vicissitudes da fama: jogador mais famoso e cobiçado do mundo, ele resiste bravamente às tentações da celebridade. Passeia na vida como desliza no campo. Não admite saliências na sua vida privada. Mata suavemente as tentativas de invasão e preserva sua intimidade como protege a “perseguida” de zagueiros grandalhões que nem sequer conseguem ganhar na força física.

Por isso, Messi não se entrega ao cai-cai, na contramão de outros protagonistas do futebol global, igualmente brilhantes do ponto de vista técnico, mas obcecados pelas cintilações da sociedade do espetáculo e do protagonismo midiático. Nosso jogador universal carrega a bola junto aos pés e segura os safanões, na busca permanente do companheiro mais livre para receber. Poucos realizam com tal maestria a máxima de Gentil Cardoso: “Quem desloca recebe, quem pede tem preferência”.

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