Sociedade

O Hospital Universitário da USP sobreviverá ao desmonte

A administração da USP usa as qualidades do hospital para justificar a redução do apoio a ele

Protesto de estudantes da USP em defesa do Hospital Universitário
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O Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU-USP) foi inaugurado em 1981 na confluência de dois sonhos: de professores que almejavam transformar a educação médica formando profissionais de acordo com a realidade do Brasil e dos moradores da zona oeste de São Paulo, muitos dos quais foram operários que ergueram a USP e não contava com qualquer serviço hospitalar. Em ambos os movimentos, havia certamente uma afinidade com as forças da sociedade civil que então se organizavam em favor da oferta de serviços de saúde de qualidade como direito de cidadania.

Nas últimas décadas, o HU passou a ser referência de atenção secundária à saúde para cerca de 500 mil pessoas, além de socorrer, muitas vezes, moradores de municípios vizinhos. Esse hospital também se consolidou como campo de formação dos estudantes da área da saúde de toda a USP, onde os estudantes de medicina têm 40% de seus estágios de formação prática.

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É nesse serviço que os alunos têm contato com os cuidados maternos e infantis de baixo risco e com doenças mais prevalentes na população, como pneumonia, asma e apendicite, por exemplo. Segundo avaliações dos próprios estudantes, todos os estágios são excelentes. O mesmo patamar de satisfação é demonstrado em pesquisa do Coletivo Butantã na Luta, com as pessoas que já foram atendidas no hospital e funcionários da universidade.

Desde 2014 esse hospital passa, entretanto, por uma crise sem precedentes. A reitoria da USP decidiu unilateralmente “se desfazer” da unidade e passá-la para gestão direta do Estado. Ao não conseguir a transferência, o reitor abandonou o hospital. Após sucessivas demissões houve fechamento de serviços, incluindo 25% dos leitos de internação, que culminaram no fechamento do pronto-atendimento infantil nesse 21 de novembro.

Por que um hospital com tal reconhecimento de seus usuários precisa acabar? Os seus detratores alegam que o atendimento à população não faz parte da missão da universidade, que deveria se dedicar “apenas” ao ensino e à pesquisa. Também é recorrente a crítica de que o hospital custa caro, comparado a alguns serviços públicos, e, ainda, que a carreira oferecida aos profissionais os torna muito onerosos.

O que esses detratores e a própria administração da USP ignoram é que, anualmente, cerca de 2,5 mil estudantes da USP passam pelo hospital, ignoram que lá estão sediados inúmeros projetos de pesquisa, incluindo Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica (CPCE), que realiza o maior estudo da área do País.

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A administração da USP também não considera que o patamar de qualificação e reconhecimento que o hospital conquistou se deu pela qualidade de seus recursos humanos e que a carreira dos servidores foi um fator fundamental para evitar que esse pessoal altamente qualificado abandonasse o serviço público após suas formações concluídas, como acontece em outras instituições de ensino.

É por suas qualidades que querem acabar com o HU. A existência deste modelo afronta o mito de que os serviços públicos são sempre ruins, afronta o lugar comum de que a gestão privada oferece necessariamente melhores resultados e comprova que com investimentos adequados, qualificação e valorização dos profissionais é possível oferecer saúde de qualidade. Em tempos em que o direito à saúde enfrenta seu maior revés desde 1988, nada poderia ser mais evidente.

A resposta sobre a relevância do HU veio de seus usuários. Os estudantes da USP que se encontram em greve e os moradores da região, que têm passado em cada comunidade, nas feiras, nas igrejas e nas praças coletando assinaturas e convidando para o “Abraço ao HU” realizado nesta sexta-feira 24. Em nome dos sonhos desta comunidade e dos professores que nos antecederam e construíram esse hospital do plano das ideias para o concreto, seguiremos lutando, em defesa do hospital e dos princípios imateriais que são seus fundamentos.

*Gerson Salvador é diretor do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp) e médico do Hospital Universitário da USP.

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