Sociedade

O Google está nos deixando menos inteligentes?

Vinte anos após a criação do mecanismo de busca, neurocientista explica como o cérebro humano lida com enxurrada de informações

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Há 20 anos, em 4 de setembro de 1998, era fundada a Google. Com seu mecanismo de buscas de mesmo nome, a empresa revolucionou a internet e o conhecimento. Para o neurocientista, Dean Burnett, duas décadas após o advento da Google, “parece ser verdade que muitas pessoas não passam mais tanto tempo focando a atenção em alguma coisa como costumavam fazer”.

Ao mesmo tempo, o especialista – que trabalha atualmente no Centro de Educação Médica da Universidade de Cardiff e é autor dos livros The Idiot Brain (O cérebro idiota, em tradução livre) e The Happy Brain (O cérebro feliz, em tradução livre) – aponta que, ao colocar mais informações à disposição, o Google força nossos cérebros a trabalharem para processá-las.

O neurocientista comenta também o fenômeno da polarização online como resultado de uma tendência de se buscar informações que confirmem as próprias convicções.

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DW: O Google tornou as pessoas mais burras ao longo dos anos?

Dean Burnett: Não, não consigo ver como isso pode ter acontecido. O principal argumento que vejo a favor dessa visão é que as pessoas costumavam lembrar-se de longos ensaios, poemas ou peças e recitá-los facilmente, como era ensinado na escola.

Mas a capacidade de memorizar grandes blocos de texto não é um sinal de inteligência, e ser incapaz de fazê-lo não implica que alguém seja “burro”. A inteligência depende de muitos fatores culturais e genéticos e, na maior parte do tempo, resume-se a como se usa a informação, e não à capacidade de memorizá-la.

O Google coloca à nossa disposição mais informações do que nunca, as quais estamos constantemente acessando. Portanto, há argumentos de que, na verdade, estamos nos tornando mais inteligentes, obtendo mais informações e fazendo nossos cérebros trabalharem para processá-las.

DW: Como o Google afetou a nossa capacidade de concentração?

DB: É difícil dizer alguma coisa sobre isso em termos concretos, já que o Google não existe há tempo suficiente para que possamos “desenvolver” uma resposta neurológica a ele. Portanto, nossos sistemas de vigília e atenção continuam, em nível neurofisiológico, os mesmos.

Mas parece ser verdade que muitas pessoas não passam mais tanto tempo focando a atenção em alguma coisa como costumavam fazer. Normalmente, o cérebro humano prioriza a novidade frente à familiaridade quando se trata de atividades estimulantes e agradáveis, e o Google permite que você acesse uma infinidade de novidades com um clique.

Assim as pessoas estão mais tentadas do que nunca a procurar algo mais interessante do que concentrar-se naquilo que está à sua frente. Tecnicamente, você pode aplicar isso à grande parte da internet, como Facebook e Twitter, e não apenas ao Google.

DW: Como os cérebros humanos estão lidando com essa enxurrada de informações disponíveis no Google?

DB: A maioria das pessoas não tem ideia da capacidade de nossos cérebros de filtrar informações a partir da imensa quantidade que se recebe. Nossos sentidos, por si só, fornecem mais informações ao cérebro do que jamais possamos esperar processar minuto a minuto, e o cérebro desenvolveu muitos mecanismos para filtrar, priorizar e lidar com tudo isso.

O mesmo pode ser dito das informações do Google, mas são um pouco diferentes, já que sua natureza é mais abstrata e cognitiva. Infelizmente, os métodos do cérebro para lidar com o excedente de informação nem sempre são ideais.

Há a tendência de confirmação, por exemplo, o processo em que priorizamos informações que apoiam o que já pensamos/acreditamos enquanto ignoramos qualquer coisa que não corrobora com nossa crença. Esse processo é disseminado e persistente, sustentando claramente grande parte da dificuldade e da polarização que vemos online, particularmente na esfera política.

DW: Os seres humanos estão se tornando mais dependentes do Google?

DB: Eu posso ver como isso pode se tornar um problema. As pessoas podem estar procurando acessar o Google demasiadamente, em vez de tentarem resolver algo por conta própria. Obviamente, isso varia de pessoa para pessoa.

No entanto, esse tipo de processamento de informações é apenas uma pequena parte do que fazem nossos cérebros. Por isso, é difícil imaginar como o Google pode vir a ter precedência sobre o cérebro num futuro próximo.

DW: Como o Google mudou você?

DB: O Google revolucionou minha vida de várias formas. Sou um escritor científico com uma resposta rápida. Para mim e para o que eu faço, é vital a capacidade de checar instantaneamente qual estudo disse o que ou se há dados publicados que apoiem minhas teorias, assim como a capacidade de encontrar contra-argumentos e assim por diante.

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