Sociedade

O desabafo da mãe que perdeu a guarda da filha por participar de ritual de candomblé: “Só choro esperando ela voltar”

Para ela, juiz não sabia que se tratava de uma questão religiosa

Foto: Reprodução/TV TEM Foto: Reprodução/TV TEM
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A mãe que perdeu a guarda da filha na Justiça após a adolescente participar de um ritual de iniciação no candomblé, em Araçatuba (SP), acredita que o juiz que tomou a decisão não sabia que se tratava de uma questão religiosa. Kate Belitani afirmou que contratou um advogado para fazer com que a menina volte para casa.

“Não consigo mais dormir. Só choro esperando ela voltar para casa. Eu acredito que o juiz na hora que deu a sentença não sabia que era por questão religiosa”, desabafou Kate em entrevista à TV Tem, afiliada da TV Globo, neste sábado 8.

Entenda o caso

Segundo reportagem do UOL, o Conselho Tutelar da cidade recebeu denúncias de familiares de que a menina sofria maus-tratos e abuso sexual. Uma das denunciantes foi a avó da menina, que é evangélica e não aceita a participação nos rituais.

A primeira denúncia, em 23 de julho, foi anônima. Ela dizia que a garota sofria abusos sexuais e maus-tratos no terreiro. Policiais militares e conselheiros foram ao local e nada foi encontrado.

Em depoimento, a adolescente negou os abusos e afirmou que estava no terreiro por conta do ritual de iniciação. A mãe contou que durante a cerimônia a menina não podia sair do terreiro, um retiro espiritual.

O ritual envolvia raspar a cabeça para se tornar filha de Iemanjá. Nesses casos, o novo adepto precisa ficar 21 dias no terreiro em retiro espiritual recebendo banhos de ervas e conhecendo fundamentos da religião. Raspar o cabelo é um ato sagrado para simbolizar esse momento de início.

“O candomblé é uma religião que existe há 350 anos. A iniciática é raspar [o cabelo]. Todos iniciados raspam a cabeça dentro do Candomblé, do culto ao orixá, porque é o nascimento, é o renascimento da vida” disse Rogério da Silva Martins, pai de santo.

Mãe e filha foram levadas para a delegacia e só foram liberadas depois que a menina passou por exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML). Nenhuma lesão foi encontrada.

“O médico estava presente e não constatou lesões corporal nenhuma. Ela [a filha] disse que tanto os pais, como ela tinham consentido a raspagem da cabeça. Então, não tinha crime nenhum”, revela a mãe.

Racismo religioso

Em artigo para CartaCapital,  Marcos Rezende, que faz parte do Coletivo de Entidades Negras (CEN), afirmou que “o racismo religioso no Brasil tem encontrado amplo respaldo no conservadorismo, que avança no mundo de mãos dadas com o capital (racista em sua essência), e em setores religiosos neopentecostais”.

“O simples fato de os Povos de Terreiro terem a sua cultura e fé alicerçadas em matrizes predominantemente africanas faz com que o racismo que estrutura o pensamento hegemônico do capital e das religiões que a ele se abraçam, inclusive na perspectiva do monopólio dos meios de comunicação, subalternize seus adeptos e o submetam aos mais diversos tipos de violência com a condescendência do Estado, quando não ao seu próprio mando”, escreve.

“Retirar a guarda de uma mãe com motivação racista remonta a estratégia utilizada pelo colonizador no processo de escravização dos negros africanos. O desmonte dos vínculos familiares e o distanciamento de seus membros foram justamente a prática utilizada pela casa grande para evitar que negros estivessem unidos e afinados em nome de seus direitos e de uma justiça em que se tenha a presença do princípio da igualdade como elemento realmente central. Se soubesse o magistrado que ordenou a perda da guarda que Yemanjá é mãe que ultrapassa qualquer barreira do distanciamento físico, não atentava contra quem o tem regendo a vida”, reforça Rezende.

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