Sociedade

O cangaço remasterizado e a (in) segurança

Cárcere privado, dano ao patrimônio público e privado, sequestro, roubo assolam as pequenas cidades

Foto: Galeria de allanpatrick/Flickr
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por Edson Benedito Rondon Filho*

 

O interior do Brasil vivencia um fenômeno remasterizado e que propicia experiências traumáticas à população dos locais de ocorrência. O tempo dessas pequenas cidades sofre uma alteração, pois sua rotina pacata é surpreendida por audaciosas ações executadas pelo Novo Cangaço, modalidade de crime que engloba várias outras tipologias criminais que podem incluir o cárcere privado, dano ao patrimônio público e privado, sequestro, roubo, extorsão, posse e porte ilegal de arma, formação de bando ou quadrilha e, muitas vezes, o latrocínio (roubo seguido de morte), dentre algumas possibilidades. O palco dessas ações teatrais, e que expõem as vísceras de uma realidade violenta, cada vez mais presente no interior brasileiro, são pequenas cidades que possuem em média vinte mil habitantes e uma ou duas agências bancárias, localização de difícil acesso ou distantes a mais de cem quilômetros da cidade mais próxima. As comunicações são precárias e normalmente a telefonia celular não tem bom sinal. Quando possível os cangaceiros cortam até o fornecimento de energia elétrica.

A consistência do sistema de segurança pública é posta à prova pelos grupos de cangaceiros do Século XXI que fortemente armados invadem as agências bancárias e fazem dos clientes e transeuntes das proximidades seus reféns, distribuindo medo e terror às cidades interioranas do Nordeste, Norte e Centro-Oeste.

O modus operandi pode ser resumido da seguinte forma: 1) algumas ações demonstram planejamento prévio com estudo da rotina da cidade, dos órgãos de segurança, da gerência das agências e da segurança privada; 2)os cangaceiros, antes do início da fase de execução propriamente dita, desarticulam o aparelho policial, normalmente formado por um efetivo reduzido de policiais (em razão do quadro de “tranquilidade” dessas cidades). Pequenos destacamentos de polícia são atacados e têm subtraídos todo o poder de reação da localidade, inclusive, em alguns casos, policiais são executados; 3) a abordagem às agências são feitas em horário comercial com uso do terror para controle das pessoas que se encontram no interior das agências e em suas imediações. Para isso são utilizadas armas de grosso calibre (fuzis e pistolas), granadas, agressividade, uso de capuzes e coletes balísticos e o fator surpresa; 4) os reféns servem de escudo humano, impedindo a visibilidade da movimentação no interior das agências. Normalmente os homens são obrigados a ficar sem as camisas, o que reforça simbolicamente a fragilidade e a humilhação diante da ação, uma vez que a exposição é latente; 5) enquanto o grupo de assalto executa a ação no interior das agências, outro grupo percorre, em veículos, as ruas adjacentes, efetuando disparos para marcação do território e controle do restante da população pelo medo; 6)o tempo da ação não dura mais que uma hora para que não sejam mobilizadas a tempo forças policiais de outras localidades; 7) a fuga segue o planejamento que inclui rota principal e alternativas; 8) os carros empregados na ação, normalmente são produtos de roubo ou de furto, e, via de regra, quando da fuga são dispensados em pontes e, logo em seguida, ou incendiados ou explodidos, impedindo que a polícia prossiga na busca ou captura dos cangaceiros via terrestre; 8) os integrantes são de outros Estados para evitar a identificação e o monitoramento por parte da polícia local.

Há um discurso de que essas ações, ao terem como alvo os “banqueiros”, reproduziriam o mito de que a ação atinge os ricos em favor dos “pobres” cangaceiros, em ato de vingança a La Lampião, mas tal raciocínio não se sustenta porque nessas ações são subtraídos bens e pertences de quem se encontra no interior das agências; ainda, bancários, agentes de segurança e a população sofrem outras formas de violência que vão muito além do aspecto financeiro (moral, psicológica, física, etc.).

O assalto a banco como problema levou a Confederação Nacional de Vigilantes (CNTV) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Ramo Financeiro (Contraf) a organizarem a Pesquisa Nacional a Ataques a Bancos, com apoio do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Apresentada em sua terceira edição (agosto/2012), a pesquisa divide as ações contra os bancos em assalto (377 casos), cujo índice subiu 25,2% com relação ao mesmo período do ano passado, e arrombamento de agências e postos (884 casos), com aumento de ocorrências no patamar de 64,6%. São Paulo, Bahia, Ceará, Pernambuco, Paraíba, Paraná e Mato Grosso são os estados que lideram os assaltos. São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná, Bahia, Rio Grande do Sul e Mato Grosso lideram os arrombamentos.

Em novembro/2012, representantes da Contraf reúnem com a Fenaban para homologação do projeto-piloto de segurança bancária com implantação prevista nas cidades de Recife, Olinda e Jaboatão, onde serão testados medidas e equipamentos de prevenção contra assaltos e sequestros. Entre as medidas a serem adotadas está a privacidade no atendimento aos clientes para evitar o crime conhecido como “saidinha”, a porta giratória com detectores antes do autoatendimento, câmeras internas e externas com monitoramento de outro local e em tempo real, vidros blindados nas divisões dos caixas.

Enquanto isso, a população do interior brasileiro convive com o Novo Cangaço, que difere em modo de operação das ações de assalto e arrombamento ocorridos na região sudeste e sul e quando comparado ao cangaço tradicional podemos afirmar existir uma imitação das estratégias da dispersão territorial, da proporção numérica e alta força bélica na ação, bem como a estética da violência e do terror, mas não apresenta o traço do cangaço nordestino marcado pelo imaginário composto por homens que lutam por melhores condições de vida do sertanejo através da resistência ao poder constituído. No Novo Cangaço os valores e as intencionalidades são outros.

 

*Edson Benedito Rondon Filho é doutorando em Sociologia pelo PPGS/UFRGS, na linha de Violência, Criminalização, Cidadania e Direito. Especialista em Inteligência de Segurança Pública pela FAECC – UFMT. Especialista em Gestão de Segurança Pública pela FAECC- UFMT. Bacharel em Ciências Sociais. Bacharel em Direito pela UFMT. Graduado no Curso de Formação de Oficiais pela Academia de Polícia Militar do Estado de Goiás. Membro associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

por Edson Benedito Rondon Filho*

 

O interior do Brasil vivencia um fenômeno remasterizado e que propicia experiências traumáticas à população dos locais de ocorrência. O tempo dessas pequenas cidades sofre uma alteração, pois sua rotina pacata é surpreendida por audaciosas ações executadas pelo Novo Cangaço, modalidade de crime que engloba várias outras tipologias criminais que podem incluir o cárcere privado, dano ao patrimônio público e privado, sequestro, roubo, extorsão, posse e porte ilegal de arma, formação de bando ou quadrilha e, muitas vezes, o latrocínio (roubo seguido de morte), dentre algumas possibilidades. O palco dessas ações teatrais, e que expõem as vísceras de uma realidade violenta, cada vez mais presente no interior brasileiro, são pequenas cidades que possuem em média vinte mil habitantes e uma ou duas agências bancárias, localização de difícil acesso ou distantes a mais de cem quilômetros da cidade mais próxima. As comunicações são precárias e normalmente a telefonia celular não tem bom sinal. Quando possível os cangaceiros cortam até o fornecimento de energia elétrica.

A consistência do sistema de segurança pública é posta à prova pelos grupos de cangaceiros do Século XXI que fortemente armados invadem as agências bancárias e fazem dos clientes e transeuntes das proximidades seus reféns, distribuindo medo e terror às cidades interioranas do Nordeste, Norte e Centro-Oeste.

O modus operandi pode ser resumido da seguinte forma: 1) algumas ações demonstram planejamento prévio com estudo da rotina da cidade, dos órgãos de segurança, da gerência das agências e da segurança privada; 2)os cangaceiros, antes do início da fase de execução propriamente dita, desarticulam o aparelho policial, normalmente formado por um efetivo reduzido de policiais (em razão do quadro de “tranquilidade” dessas cidades). Pequenos destacamentos de polícia são atacados e têm subtraídos todo o poder de reação da localidade, inclusive, em alguns casos, policiais são executados; 3) a abordagem às agências são feitas em horário comercial com uso do terror para controle das pessoas que se encontram no interior das agências e em suas imediações. Para isso são utilizadas armas de grosso calibre (fuzis e pistolas), granadas, agressividade, uso de capuzes e coletes balísticos e o fator surpresa; 4) os reféns servem de escudo humano, impedindo a visibilidade da movimentação no interior das agências. Normalmente os homens são obrigados a ficar sem as camisas, o que reforça simbolicamente a fragilidade e a humilhação diante da ação, uma vez que a exposição é latente; 5) enquanto o grupo de assalto executa a ação no interior das agências, outro grupo percorre, em veículos, as ruas adjacentes, efetuando disparos para marcação do território e controle do restante da população pelo medo; 6)o tempo da ação não dura mais que uma hora para que não sejam mobilizadas a tempo forças policiais de outras localidades; 7) a fuga segue o planejamento que inclui rota principal e alternativas; 8) os carros empregados na ação, normalmente são produtos de roubo ou de furto, e, via de regra, quando da fuga são dispensados em pontes e, logo em seguida, ou incendiados ou explodidos, impedindo que a polícia prossiga na busca ou captura dos cangaceiros via terrestre; 8) os integrantes são de outros Estados para evitar a identificação e o monitoramento por parte da polícia local.

Há um discurso de que essas ações, ao terem como alvo os “banqueiros”, reproduziriam o mito de que a ação atinge os ricos em favor dos “pobres” cangaceiros, em ato de vingança a La Lampião, mas tal raciocínio não se sustenta porque nessas ações são subtraídos bens e pertences de quem se encontra no interior das agências; ainda, bancários, agentes de segurança e a população sofrem outras formas de violência que vão muito além do aspecto financeiro (moral, psicológica, física, etc.).

O assalto a banco como problema levou a Confederação Nacional de Vigilantes (CNTV) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Ramo Financeiro (Contraf) a organizarem a Pesquisa Nacional a Ataques a Bancos, com apoio do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Apresentada em sua terceira edição (agosto/2012), a pesquisa divide as ações contra os bancos em assalto (377 casos), cujo índice subiu 25,2% com relação ao mesmo período do ano passado, e arrombamento de agências e postos (884 casos), com aumento de ocorrências no patamar de 64,6%. São Paulo, Bahia, Ceará, Pernambuco, Paraíba, Paraná e Mato Grosso são os estados que lideram os assaltos. São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná, Bahia, Rio Grande do Sul e Mato Grosso lideram os arrombamentos.

Em novembro/2012, representantes da Contraf reúnem com a Fenaban para homologação do projeto-piloto de segurança bancária com implantação prevista nas cidades de Recife, Olinda e Jaboatão, onde serão testados medidas e equipamentos de prevenção contra assaltos e sequestros. Entre as medidas a serem adotadas está a privacidade no atendimento aos clientes para evitar o crime conhecido como “saidinha”, a porta giratória com detectores antes do autoatendimento, câmeras internas e externas com monitoramento de outro local e em tempo real, vidros blindados nas divisões dos caixas.

Enquanto isso, a população do interior brasileiro convive com o Novo Cangaço, que difere em modo de operação das ações de assalto e arrombamento ocorridos na região sudeste e sul e quando comparado ao cangaço tradicional podemos afirmar existir uma imitação das estratégias da dispersão territorial, da proporção numérica e alta força bélica na ação, bem como a estética da violência e do terror, mas não apresenta o traço do cangaço nordestino marcado pelo imaginário composto por homens que lutam por melhores condições de vida do sertanejo através da resistência ao poder constituído. No Novo Cangaço os valores e as intencionalidades são outros.

 

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