“Brasil, precisamos de apoio.” O pedido, escrito em uma fronha pelas jogadoras da seleção brasileira que chegaram à final da Copa Feminina em 2007, era um apelo à CBF para que incentivasse os investimentos no futebol feminino.
Doze anos depois da fatídica data em que a Alemanha derrotou o Brasil (por apenas por 2 a 0), os resultados mostram a seleção delas continua em um plano secundário – inclusive dentro de campo, desta vez caindo nas oitavas. De lá para cá, afinal, o que mudou? Ganhamos algo?
A transmissão da Copa 2019
A Copa Feminina ganhou popularidade no Brasil neste ano pelo fato de a Globo ter transmitido os jogos. O fato foi inédito na TV aberta.
Antes disso, a emissora havia transmitido a modalidade nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, e nos Jogos Panamericanos, em 2007. O SporTV, canal fechado da Globo, havia transmitido as duas últimas edições, no Canadá e na Alemanha.
A CBF também fechou uma parceria com o Twitter e exibiu os jogos ao vivo pela rede social.
Para Ana Thaís Matos, comentarista esportiva da Globo que fez sua estreia na modalidade nesta competição, a transmissão foi um “marco significativo pelo alcance”. Ela aposta que o futebol feminino de seleções e clubes será melhor após o final desta Copa.
“Falamos de futebol feminino para milhões de pessoas. Tivemos grandes comunicadores do esporte nacional no evento. Movimentamos marcas e expusemos a modalidade de uma forma muito séria. Demos um importante passo”, defende a jornalista.
Roberta Nina, que faz parte do Dibradoras, portal futebolístico escrito exclusivamente por mulheres, reconhece a importância da transmissão na TV aberta e comenta: “Com a seleção feminina, não se questiona muito porque não se conhece as jogadoras. Onde jogam, quem são, em qual posição jogam. A TV aberta é capaz de promover esse engajamento.”
Nina defende que a TV aberta deveria transmitir outros campeonatos do futebol feminino para “massificar a modalidade”. A possibilidade virará realidade: a TV Bandeirantes confirmou em abril que transmitirá o Brasileirão feminino.
Há claramente interesse do público nas exibições. A seleção brasileira quebrou recordes na transmissão desta Copa. O primeiro jogo, contra a Jamaica, foi visto por 19 milhões de pessoas, tornando-se o segundo mais acompanhado na história da Copa Feminina.
O jogo que desclassificou o Brasil na competição quebrou os recordes mundiais e se tornou a maior audiência em uma Copa Feminina na história. A derrota para a França teve 35 milhões de espectadores.
As transmissões não foram os únicos novos incentivos a surgir para a competição. Juliana Wallauer e Cris Bartis, que apresentam o podcast Mamilos, desenvolveram em parceria com o Dibradoras um podcast exclusivo sobre a Copa Feminina, chamado Ôea.
Wallauer admite que a dupla nunca foi ligada em futebol, mas que, ao perceber “a importância que o futebol feminino têm como forma de inspirar e moderar uma nova geração, pelas discussões que trazem quanto à equidade de gênero no esporte”, optou por produzir o programa.
Como cobrir o futebol feminino?
As jornalistas entendem que o modo como se cobre a modalidade é consequência das transmissões e da visibilidade – ou falta dela. “A Copa ganha outra dimensão. Falta resenha e cobertura do dia a dia dos jogos na grande mídia”, diz Roberta Nina.
Aparentemente, a cobertura tem agradado. Ana Thaís comenta estar recebendo muitos comentários elogiosos de “mulheres identificadas com o momento e de muitos homens indo atrás de notícia, querendo saber mais histórias”.
Para Carol Barcellos, repórter da TV Globo e do SporTV, esta cobertura da Copa Feminina é uma grande oportunidade. “A partir do momento em que se conhece as jogadoras, o público cria uma identidade e uma relação”, fala. “Estou tendo a chance de contar muitas histórias que já deveriam ser conhecidas por todos nós, mas não são”, segue.
Ana Thaís diz adotar os mesmos critérios de avaliações técnicas e táticas, mas afirma que é necessário explicar para o grande público as diferenças entre as modalidades por conta de seus contextos históricos. “Explico que o gol não deveria ser menor, mas que deveriam melhorar a preparação física das goleiras e estimular mais mulheres a praticar futebol. Hoje temos um nível altíssimo de goleiras e o gol não mudou de tamanho”, exemplifica.
As lutas pessoais das jogadoras
A repórter vai além. Para ela, mostrar as lutas pessoais das jogadoras é uma forma de joga-las no holofote de um esporte tradicionalmente masculino. “A Tamires [lateral-esquerda da seleção] ficou anos sem jogar, mas, com apoio, conseguiu e foi a uma Copa do Mundo. A mesma coisa com a depressão da Cristiane [Rozeira, atacante da seleção] após a Rio 2016. Quantas vezes ela teve a oportunidade de falar sobre isso? Quantas pessoas sucumbiram à depressão?”, questiona.
Roberta lembra de Andressa Alves [atacante da seleção], que veio da periferia paulistana e foi a primeira jogadora brasileira a atuar no Barcelona. “Enquanto a mulher é punida por ser mãe, perde contrato de marcas, patrocínio, contrato com clubes, os homens são notícia quando viram pais, ou quando uma mulher engravida de um jogador e ele não assume. A maternidade e a paternidade no esporte são vistas de formas muito diferentes e a mulher é sempre a mais prejudicada”, diz a global.
Futebol feminino como (bom) produto
Roberta Nina enxerga os recordes de audiência e o crescimento do interesse pelo esporte como necessário para o entendimento de que o futebol feminino também é produto rentável, e não um prejuízo para as emissoras.
Durante o jogo de estreia na Copa, a atacante Marta quis que os espectadores se atentassem à razão da invisibilidade do futebol feminino. Para isso, usou uma chuteira preta sem patrocínios com um símbolo azul e rosa, referente ao movimento #GoEqual.
A artilheira da seleção optou por estar sem patrocínios no momento. A razão? Acredita que as marcas estão lhe oferecendo quantias muito menores que aos jogadores.
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