Sociedade

O bar que virou um descontraído reduto progressista no Rio de Janeiro

‘Meu maior desejo é que alguém com a camisa do Bolsonaro venha aqui beber e a gente possa conversar’, diz Omar, dono do local

Na mesa do bar. Omar pai e Omar filho tomam uma “Lula Livre”. Anda díficil conseguir um lugar no boteco que trata de política com picardia e inteligência
Apoie Siga-nos no

Quem entra no Bar do Omar, incrustado no Morro do Pinto, no bairro carioca do Santo Cristo, provavelmente tem três motivos para a decisão. Foi atraído pela batida “Omaracujá”, pelos bolinhos de linguiça toscana com queijo canastra ou pela arte no deck com vista para a Baía de Guanabara – enorme, letras multicoloridas, na parede o slogan que não deixa dúvidas sobre o posicionamento político dos proprietários: “Lula Livre”.

Se a referência fosse só essa, a família Machado Monteiro, que toca o estabelecimento e é formada pelo casal Omar e Ana Helena, além dos filhos Omar Júnior e Mariana, acharia pouco. O Bar do Omar abre pontualmente às 17h13 às quintas e sextas, ou 13h13 aos sábados e domingos, brinca no cardápio com as mensagens vazadas de procuradores da Lava Jato e o PowerPoint de Deltan Dallagnol, cervejas com referência ao ex-presidente Lula, placa de “Rua Marielle Franco” e adesivos de foices e martelos. Os donos não se surpreendem que a mesa mais próxima à parede com a pintura seja a mais disputada e clientes peçam licença para fazer fotos.

Desde junho, o Bar do Omar, que conta nove anos no mesmo local e agora vê o movimento crescer como nunca, tornou-se o reduto de lazer carioca celebrado pelos progressistas. “Mas aqui não é aquela esquerda da São Salvador, não”, avisa logo Omar Monteiro, de 59 anos, o proprietário que empresta seu nome ao estabelecimento e faz questão de diferenciar seu público daquele que frequenta a Zona Sul carioca. “Aqui vem mais é trabalhador, gente que mora no morro ou perto dele, e, recentemente, turistas que se identificam com nosso posicionamento”, explica, ao lado do filho, que veste uma camisa com o dizer “Livre” em vermelho.

 

Todos na família Machado Monteiro consideravam-se de esquerda, mas a discussão política e a necessidade por posicionamento começaram a ser reforçadas de um para outro, como explica Júnior, de 29 anos: “Na faculdade de Administração, fui adentrando em mais pautas, até começar a trazê-las para discussão em casa e fazer a política cada vez mais presente nas minhas decisões e naquelas de cada um da família”. Até então, Omar pai nunca havia pensado em juntar seu negócio com posicionamento político, o que brotou naturalmente com o processo de impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Não demorou até a parede hoje ocupada pelo “Lula Livre” ganhar um “Fora Temer”. “Consegui meu diploma com o ProUni e acho que devo isso aos avanços sociais do governo Lula”, afirma Júnior. 

Omar pai lembra que, após deixar clara a sua posição, foi insultado nas redes sociais e o movimento caiu um pouco. Até hoje ele teme pela segurança da família. À época, o boteco era administrado pelos quatro, que se dividiam em servir e cozinhar, e um ou outro ajudante esporádico. Um episódio aprofundou o posicionamento político do bar. Após o vazamento das mensagens entre o então juiz Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato, os comprovantes de pagamentos e as notas emitidas para os clientes passaram a estampar a seguinte mensagem: “Um bar pode ter opinião política, um juiz não. Moro lesa-pátria. #lulalivre #BarDoOmar #Democracia”. Fotos feitas por clientes viralizaram nas redes, o perfil do bar no Twitter ganhou milhares de seguidores e abriu caminho para que as postagens sobre política, sempre bem-humoradas, virassem o maior canal de divulgação do boteco. Às sextas-feiras, a partir das 6 da noite, é quase impossível encontrar uma mesa desocupada.

Omar pai e Omar filho, por consequência, tornaram-se vozes influentes e até se propuseram a realizar um desejo e uma promessa da oposição a Bolsonaro, organizar a união dos partidos progressistas. “Vontade de pegar Haddad, Boulos, Marina, Manuela D’Ávila, Ciro, Flávio Dino, trancar aqui no bar e falar: vocês só saem daqui quando uma grande frente única de esquerda estiver montada, entenderam?”, afirma em uma postagem recente, com 15 mil curtidas – uma delas de Manuela D’Ávila, que aceitou o convite.

A família proprietária declara-se aberta a receber bem clientes de pensamento político diferente. “Meu maior desejo é que alguém com a camisa do Bolsonaro venha aqui beber e a gente possa conversar”, diz Omar Júnior

Não é incomum clientes perguntarem quem pensa nas mensagens postadas nas redes sociais e Júnior, orgulhoso, responder que é ele. A insinuação de que tudo não passa de marketing o deixa indignado. Incomoda ainda mais a família a insinuação de que clientes com diferentes opiniões políticas não são bem-vindas, que serão mal-atendidas ou hostilizadas caso queiram falar de política civilizadamente. “Meu desejo é que alguém com a camisa do Bolsonaro venha aqui beber e a gente possa conversar. A esquerda costuma ser arrogante e achar que é a vanguarda do intelecto, mas é preciso tentar entender o outro sem violência”, argumenta Júnior.

As farmacêuticas Bruna Lima, de esquerda, e Renata Cataldo, que diz estar mais ao centro, acreditam que haveria um certo estranhamento no caso de aparecer um cliente fantasiado de “bolsominion”, mas dizem estar abertas ao diálogo com adversários políticos no bar. As colegas descobriram o local há um ano. Trabalham nas redondezas e haviam ouvido falar bem da comida, mas não exatamente da postura ideológica. Tornaram-se freguesas e, em uma sexta-feira chuvosa, preparavam-se para comemorar um aniversário, com mais amigos.

“Acredito que haja de fato um papel social, uma vez que não são apenas pessoas de esquerda que chegam até aqui”, afirma Bruna Lima, lembrando que o bar teve papel nas campanhas “Vira Voto” na eleição de 2018. “Há um clima geral de tolerância”, acredita a farmacêutica. Renata Cataldo destaca o clima alegre e ameno de um ambiente “com boa comida e liberdade de se expressar”, o que garantiria sua assiduidade, ainda que o estabelecimento não tomasse partido.

Omar e Júnior descartam por enquanto a possibilidade de ampliar os dias e horários de atendimento, apesar da crescente demanda. O objetivo, afirma, não é “ficar rico”. Júnior conta que tem se esforçado para manter a pontualidade do horário de fechamento, às 00h13. “Todo mundo é de esquerda até dar o horário do garçom, e isso não pode.”

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo