Sociedade

Nós nunca mais seremos os mesmos

Estamos em um novo momento político da história do Brasil: as pessoas estão começando a se posicionar

Estes últimos meses simbolizaran paradoxalmente a passagem do país do futebol para o país do futebol e da política
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Muitos ainda estão de ressaca das eleições, com a cabeça latejando e com a leve culpa de ter passado dos limites. Muitos ainda estão tentando entender o que aconteceu no porre coletivo da histeria nacional. Das muitas questões que surgem neste momento, só basta uma certeza: o Brasil nunca mais será o mesmo.

Ainda bem.

Nós acabamos de atravessar um estado de liminaridade – aquele momento transitório marcado pela confusão, inversão da ordem e emoções à flor da pele. Mas também são momentos importantes para abrir espaço para transformações profundas. Findamos uma era em que o Brasil hipocritamente convivia com a ideologia da cordialidade, a qual escondia a sua violência intrínseca, mas mantinha o horror estrutural da segregação de classe, cor e gênero.

Passamos então por um grande transe nacional, em que essa ordem se inverteu. De junho de 2013 a outubro de 2014 vivemos o ano mais longo de nossa história. Agredimo-nos, brigamos, desfizemos amizades, mostramos que a cultura política democrática brasileira é ainda muito imatura.

Destilamos ódio, mas também destilamos amor, muito amor (se é que podemos separar essas duas categorias…). Sim, nossos 17 meses de liminaridade excederam na violência, no rancor de classes, no racismo e na gravíssima xenofobia intranacional. Mas hoje sabemos quem é quem, além da grata possibilidade de não sermos um país de sabonetes e covardes que escorregam no debate político, mas se enchem de coragem no teatro do estádio de futebol.

Eu acredito que estamos ingressando em um novo momento político da história do Brasil. Um momento em que as pessoas estão começando a se posicionar. Ainda estamos fazendo isso de um jeito tosco, seja por um excesso de agressão, seja pela incapacidade de separar os relacionamentos pessoais da política. Apesar de, neste momento, só conseguirmos enxergar os restos mortais da quarta-feira de cinzas, estamos atravessando por um aprendizado que, a meu ver, é muito positivo politica e democraticamente.

Com o fiasco do 7 x 1, a falência moral da CBF e a infraestrutura urbana que até hoje não foi concluída, a Copa do Mundo –situada entre as Jornadas de Junho e as eleições presidenciais – simbolizou paradoxalmente a passagem do país do futebol para o país do futebol e da política.

Na verdade, no âmbito do clubismo brasileiro, sempre partimos para o enfrentamento nos estádios – que têm sido espaços legítimos de inversão da ordem, onde tudo é permitido e suspenso até que as coisas se acalmem no dia seguinte. Todavia, ainda que o futebol seja político, a politica não é o futebol: as pessoas não se abraçam no dia seguinte, simplesmente porque lidamos com visões de mundo muito mais complexas, mais impactantes e mais abrangentes.

Na incorrigível utopia humana do amor, pode até ser bonito ver o pedido de desculpas e o desejo de reconciliação entre coxinhas e petralhas. Mas sabemos que o vaso quebrou. Não vamos lamentar. Vamos celebrar a possibilidade de crescermos a partir do conflito e de nos posicionarmos no mundo enquanto sujeitos políticos pensantes.

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