Sociedade
No RS, terceirizada dá treinamento ‘militar’ a funcionários de empresa recém-privatizada
Uma breve gravação do treinamento, de 27 segundos, ganhou repercussão nas redes sociais. Entidades sindicais buscaram respostas


Um grupo de homens e mulheres, enfileirados, repete aos gritos palavras de ordem. Depois, em posição de reverência cívica e com a mão cerrada no peito, ouvem o hino nacional. A cena remete a um pelotão militar, não fossem os dizeres bradados: “Segurança é produção, segurança é qualidade”.
As imagens, na verdade, são parte do treinamento de RH do grupo Setup, especializado
nos setores de energia, vigilância, rastreamento veicular e manutenção de elevadores. A Setup presta serviços à CEEE Equatorial, empresa de energia elétrica do Rio Grande do Sul, privatizada no quase apagar das luzes do governo de Eduardo Leite (PSDB).
Uma breve gravação do treinamento, de 27 segundos, ganhou repercussão nas redes sociais. Entidades sindicais buscaram respostas. Antônio Jailson Silveira, diretor do Sindicato dos Eletricitários do Rio Grande do Sul, procurou a Setup para em busca de justificativas para o treinamento. A resposta, conta ele, foi que se trata de um procedimento normal, já aplicado em outros Estados onde a empresa presta serviços. “Diante deste fato, encaminhamos uma denúncia ao Ministério Público do Trabalho para avaliar se tal conduta não se caracteriza como assédio aos trabalhadores”.
Ver essa foto no Instagram
Para a psicóloga e gestora em Recursos Humanos, Emmanoely Silva Rocha Serpa, é difícil avaliar uma situação a partir do recorte de 27 segundos em um vídeo. No entanto, pondera, a linguagem corporal dos trabalhadores levanta questionamentos. “Foram obrigados a ficar naquela posição militar? Que momento o Hino Nacional foi entoado? Era uma solenidade cívica?”. Diante do clima antidemocrático e de ataques às instituições, avalia, também chama atenção como símbolos o culto à símbolos que remetem ao patriotismo foram dessas instâncias.
“Executar o Hino Nacional fora de uma solenidade cívica me parece um patriotismo exacerbado. Como profissional de RH, acredito na liberdade dos colaboradores e na convivência em ambientes democráticos, onde não haja a obrigatoriedade de passar por cima de valores pessoais para comprar os valores da empresa. Uma equipe só terá sucesso profissional enquanto existir respeito entre as partes”.
A CEEE Equatorial, em nota , afirmou que o diálogo se destinava ao engajamento dos colaboradores às normas de segurança sem qualquer conotação político ou partidário. Disse ainda que o código de ética do
Grupo veda qualquer manifestação deste tipo e, no caso em questão, já solicitou à empresa terceirizada Setup explicações sobre as práticas adotadas no evento divulgado.
CartaCapital encaminhou um e-mail à Setup questionando o modelo de treinamento, mas não recebeu retorno.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.
Leia também

‘O controle da atividade policial é condição para reforçar a democracia’, afirma pesquisador
Por Ana Luiza Basilio e Getulio Xavier
‘Com a vitória de Lula, vislumbro tempestade’, diz estudioso de militares na política
Por Getulio Xavier