Educação

No Rio Grande do Sul, universitárias de origem indígena lutam por moradia estudantil digna

Estudantes nascidos em aldeias exigem que a UFRGS transforme prédio abandonado em um local onde possam viver juntos; modelo já existe em outras universidades brasileiras

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Na entrada de um dos principais túneis de Porto Alegre, uma multidão tem chamado a atenção dos milhares de carros e pedestres. Mulheres e crianças, a maioria de origem indígena, acampam em frente a um imóvel público abandonado.

Kaingang, Baré, Guarani, Xokleng. Estudantes desses e de outros povos originários ocupam, desde o último domingo, um prédio público abandonado no centro de Porto Alegre. O movimento, capitaneado por jovens mães estudantes, exige resposta para uma demanda antiga: a Casa do Estudante Indígena, exigida pelos movimentos de luta desde a implementação das cotas junto à Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a UFRGS. 

O choque cultural tem dificultado a convivência entre os indígenas e outros moradores da Casa do Estudante Universitária, a CEU. Há relatos de ameaças, e episódios de discriminação. “Viemos das aldeias e quando saímos de lá abrimos mão de muita coisa. A universidade quer que nós a respeitemos, mas ela não nos respeita”, lamenta Jaqueline de Paula, aluna do curso de Serviço Social. 

Além disso, as regras impostas pela UFRGS impedem que as mães possam estar com seus filhos nesses locais, inviabilizando a permanência de muitas delas na universidade. Algumas mães foram obrigadas a esconder suas crianças para não serem despejadas. 

Atualmente, são 75 os estudantes indígenas da UFRGS credenciados pelas cotas, distribuídos nas mais variadas carreiras, além de outros aprovados que ingressaram pelo sistema universal. Os povos são diversos: Pankará, Pankararu, Ticuna, e Apurinã. A maioria desse contingente é composta por mulheres. O que aumenta a responsabilidade de a universidade garantir assistência a elas. “Algumas mães conseguiram criar seus filhos na CEU com muita teimosia, dificuldade e preconceito, mas isso precisa mudar”, completa Jaqueline. Além de estudante, ela também é mãe do pequeno Gokay, de dois anos, nascido em Porto Alegre, mas criado até agora na aldeia por conta do regime de ensino remoto imposto pela pandemia.  

A estudante de enfermagem Jussara Pereira corrobora. “Em nossa cultura não tem essa de abandonar um filho. Nem mesmo por uma coisa que você queira muito. Nossos filhos estando conosco é uma forma de motivação, ressalta. “Nosso choque cultural tem que ser compreendido, principalmente pela universidade.”

É buscando superar essas dificuldades que os estudantes indígenas defendem que haja um novo lugar para abrigar os alunos oriundos dos povos originários. Abandonada há cinco anos, a estrutura de quatro andares que antigamente está situada em frente ao Campus do centro foi repassada pela prefeitura para a UFRGS, a propriedade foi devolvida ao poder municipal sem que tenha sido utilizada.

Na quinta-feira, um grupo reunindo cem pessoas ocupou o salão nobre da reitoria até garantir uma audiência com a vice-reitora. As chances de um consenso, entretanto, são pequenas. A UFRGS é comandada por reitor-interventor, escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro por afinidades ideológicas. A despeito da escolha de acadêmicos, professores e funcionários, Carlos Bulhões foi nomeado para o cargo mesmo ficando em terceiro lugar na consulta realizada junto à comunidade.

Depois de encontros inconclusivos e adiamentos de agendas durante a semana com as autoridades, novas reuniões, incluindo a participação do Ministério Público, estão marcadas para dar um encaminhamento definitivo ao assunto. Até lá os ocupantes enfrentam a insalubridade do prédio ocupado e pedem por doações de colchões, lenhas, alimentos e fraldas. 

“Queremos uma casa de estudantes indígenas, uma ég īn, uma casa nossa onde poderemos praticar nossa cultura, nossas formas de estar bem uns com os outros, seja na alimentação, na contação de histórias, nos aconselhamentos dos mais velhos aos mais novos, nos risos e nos rituais e na construção de uma universidade intercultural e que respeita os povos originários deste território”, resume o documento apresentado pelo coletivo indígena.

Moradias estudantis indígenas são novidade

De norte a sul do Brasil, já existem instituições com moradias pensadas para os estudantes indígenas. É o caso da Universidade Federal de Santa Maria, que oferece, desde 2018, moradias nesse modelo.

O estudante de Farmácia Willian Gama, da etnia Xabriabá, foi um dos primeiros a usufruir das casas compartilhadas. Dezenas de estudantes, de seis povos diferentes, convivem hoje no espaço. “Respeitamos nossas diferenças, cada qual tem sua língua e costumes”, conta. O impacto, defende ele, vai muito além do bem-estar dos recém-chegados. “Com a casa indígena nossos jovens se sentiram mais confiantes para prestar o vestibular. Sabemos que temos para onde ir e onde vamos encontrar nossos parentes, assim sofremos menos”.

Além da UFSM, a Universidade Federal do Tocantins (UFT), por exemplo, possui três casas exclusivas nos municípios de Palmas, Miracema e Araguaína, mantidas pela União dos Estudantes Indígenas do estado. A Universidade Federal de Pelotas tem imóveis reservados aos calouros quilombolas e oriundos dos povos originários. 

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