Sociedade

No 8 de março, mulheres preparam greve global

Em ao menos 55 países, paralisações e manifestações no Dia Internacional da Mulher questionam a desigualdade e a violência de gênero

Apoie Siga-nos no

A história do nascimento da Greve Internacional das Mulheres neste 8 de março de 2017 passa por dois países distantes, mas próximos no que diz respeito às lutas com protagonismo feminino. 

Em outubro de 2016, diante do brutal feminicídio da adolescente Lucía Perez, as mulheres na Argentina resolveram dizer basta e organizar uma greve de uma hora. O violamento e assassinato da jovem de 16 anos na cidade de Mar Del Plata revoltou as mulheres argentinas. 

Em poucos dias, o grito “Ni Una a Menos” (“Nem Uma a Menos”) ecoou por toda a América Latina, onde o índice de violência de gênero e feminicídio é epidêmico, inspirando centenas de milhares a unirem-se em protestos, marchas e paralisações solidárias femininas em todo o continente. 

Do outro lado do mundo, no mesmo mês, milhares de polonesas vestiram preto e pararam suas atividades por um dia inteiro. A pressão era contra um projeto que endureceria a legislação sobre a interrupção da gravidez no país, uma das mais restritivas da Europa. Ironizado a princípio, o movimento foi noticiado no mundo todo e o parlamento da Polônia acabou desistindo da ação. 

Com a ideia de criar uma aliança feminina mais ampla, organizadoras polonesas entraram inicialmente em contato com mulheres na Coreia do Sul, na Rússia e na Argentina. Era o início da gestação da Greve Internacional de Mulheres, que ganhou força após a Marcha das Mulheres de Washington, replicada em centenas de marchas-irmãs, e culmina neste 8 de março com chamadas de paralisação das atividades profissionais e também do trabalho doméstico feminino em ao menos 55 países. 

Nos Estados Unidos, feministas históricas como Angela Davis e Nancy Fraser assinaram um manifesto convocando para a paralisação. Por lá, a expectativa de interrupção das atividades femininas já levou escolas e universidades a cancelarem suas aulas.

 

“Será uma demonstração mundial. São mulheres de 55 países, do Brasil à Tailândia”, conta Mariana Bastos, uma das administradoras da página 8M Brasil e componente do grupo internacional que gestou a ideia.

Além do 8M Brasil, responsável por centralizar as informações sobre as greves e fazer a ponte entre as brasileiras e a organização internacional, outros coletivos como o Parada Brasileira de Mulheres também aderiram ao chamado. 

Para Analba Teixeira, uma das organizadoras da Parada Brasileira de Mulheres, trata-se de um momento histórico. “Quem está parando o mundo é o feminismo, não vemos outros movimentos com a mesma força. Estamos articuladas com mulheres do mundo todo, e esse fortalecimento do movimento feminista mundial é muito importante”, afirma ela, que também é integrante do Instituto Feminista para a Democracia. 

Para Bastos, a greve e as manifestações no Dia Internacional da Mulher são só a parte visível de um processo mais profundo, subterrâneo, que são as alianças e conexões entre mulheres. “Isso nos tornará muito mais fortes para agir depois do 8 de março”, acredita ela, que é jornalista de formação e está organizando de maneira mais direta a paralisação no Rio de Janeiro. 

Analba Teixeira concorda. “Estamos nos fortalecendo e criando resistência para passar por esse tsunami de ameaças aos nossos direitos”, afirma, pontuando que, no caso brasileiro, o chamado à resistência é mais urgente diante do avanço das forças ultraconservadoras no campo político e social.

“Outro chamado nosso é ‘nenhum direito a menos’. Aqui no Brasil está demais. Após o golpe, corremos o risco de perder o que conquistamos nos últimos 30 anos. Com a crise, a violência contra as mulheres torna-se mais aguda”, pontua.  

Marina Fuser, outra organizadora do 8M em São Paulo, conta que se surpreendeu com o interesse das brasileiras em participarem da greve internacional. “Criei o evento em São Paulo e, em menos de 48 horas, já havia 5 mil mulheres interessadas”, diz a cineasta e pesquisadora na área de gênero. “A ideia é interromper o fluxo da normalidade de um dia comum. As mulheres podem escolher a melhor forma de se posicionarem, de acordo com a sua realidade local”.

No Brasil, o chamado para a paralisação acontece em ao menos 60 cidades, entre elas, 22 capitais. A capilaridade impressiona, com eventos criados em locais como Imperatriz (MA), Santarém (PA) e Ouro Preto (MG). 

Além da interrupção das atividades remuneradas, as organizadoras sugerem outras formas de ação: deixar de realizar o trabalho doméstico (como limpar, cozinhar ou cuidar dos filhos), reunir-se com as colegas de trabalho durante uma hora, usar alguma roupa ou acessório da cor roxa e participar das manifestações e protestos organizados localmente.

Cada país ou cidade definiu eixos específicos, temas que serão alvo dos protestos. O combate à violência de gênero e o posicionamento contrário à reforma da Previdência proposta por Michel Temer serão os temas mais presentes nos atos brasileiros. 

Além desses pontos, Teixeira indica outros eixos que serão contemplados pela Parada Brasileira de Mulheres, como a luta contra o racismo e pela legalização do aborto. Ela explica que o diferencial desse chamado feminista internacional é também seu caráter antissistêmico.

“O movimento luta contra os quatro pilares da desigualdade: o racismo, o patriarcado, o capitalismo e o imperialismo. Eles atingem diretamente a vida de nós, mulheres negras, mulheres urbanas, quilombolas e indígenas”, diz.

A expectativa é que o movimento, por ser internacional, chame mais atenção e dê visibilidade para a desigualdade de gênero no mundo todo. 

“É muito interessante essa troca. Quando eu falei [no grupo] das principais demandas no Brasil, como a reforma da Previdência, duas ou três sul-americanas relataram a mesma ameaça a esse tipo de direito. Às vezes estamos tão presas às questões locais que esquecemos de olhar para os nossos vizinhos e pensar em formas coordenadas de atuar”, afirma Mariana Bastos.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.