Sociedade

Neymar: a terceira vértebra de Aquiles

Sem seu herói nos próximos jogos, o time de Felipão terá coletivizar os holofotes e reencontrar a força da equipe

Sem sua estrela, seleção terá de tirar forças do espírito de equipe
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No dia seguinte à classificação do Brasil às semifinais da Copa, o clima é de plantão médico. Os cadernos esportivos abandonaram os compêndios de psicologia e foram à caça da terceira vértebra lombar nos livros de anatomia. Editorias de arte agilizaram-se para adicionar às ilustrações do esqueleto humano o semi-moicano dourado de Neymar.

Os textos não tratam da redenção de Thiago Silva, da partida irretocável de David Luiz, e nem sequer mencionam o fato de uma vitória nas quartas não ocorrer desde 2002, ano do penta. A torcida e a crônica foram tomadas por um ceticismo amargo. As arrancadas indefectíveis, letais contra Croácia e Camarões, os dribles objetivos, os passes precisos no ponto futuro, nada voltaria a se repetir. Estaríamos fadados à constrangedora posição de azarões contra a Alemanha.

Perdemos nosso herói homérico, cujas glórias individuais, razão principal de todo combate, tem como consequência final a vitória de suas tropas. A torcida brasileira está acostumada a contar com alguém capaz de usar seus dramas pessoais para carregar um time nas costas. O triste fim de Copa para Neymar pode lhe ser útil no próximo Mundial, assim como as polêmicas extracampo serviram a Romário, em 1994, e as operações no joelho a Ronaldo, em 2002.

Nesta Copa, a narrativa da campanha brasileira terá de se virar sem nosso Aquiles, pois seu calcanhar – no caso, a terceira vértebra – foi atingido. Ainda estamos num épico, sem dúvida. Mas a tragédia grega tem de dar lugar ao espetáculo brechtiano. Precisamos abandonar nossa identificação com o protagonista, valorizar os personagens secundários e incentivar uma intensa interação com o público. A chance para o time de Felipão é coletivizar os holofotes.

O Brasil marcou dez gols na Copa até o momento. Os três nas oitavas foram de bola parada. Dos sete na primeira fase, seis originaram-se de uma roubada de bola na intermediária adversária. O único gol do Brasil no Mundial que apresentou, porém, uma triangulação de meio de campo foi o quarto contra o time africano. Oscar roubou a bola, recuou para Fernandinho, Fred recebeu, devolveu para Oscar, que rolou para Fernandinho concluir. Um gol com toques rápidos de três jogadores.

Naquele momento, Neymar fora substituído da partida. Na ausência de sua estrela, o time brasileiro fez sua única grande jogada coletiva da Copa.

A Alemanha, terra de Brecht, jamais foi adepta do épico grego. Nunca esteve sob dependencia criativa de apenas um jogador, apesar de lideranças magistrais como a de Beckenbauer. Em 2014, Müller tem feito a diferença, mas seu futebol pouco tem a ver com o de Neymar. O alemão joga em função do time, vira centroavante quando é necessário, cai pelas pontas para fazer jogadas de linha de fundo, dá carrinho, até finge um escorregão em cobrança de falta para tentar distrair os adversários.

O “falso 9” encaixa-se em um jogo que serve sempre ao coletivo e, portanto, distante das características de uma seleção com Neymar ou Cristiano Ronaldo, nas quais o desenho tático busca servir às suas estrelas.

É pela lembrança daquele belo gol de Fernandinho que não se pode perder as esperanças. Se em caso de derrota, teremos de coletivizar a nossa dor, que entremos em campo sob a batuta do próprio grupo, generoso, altruísta. Sem Neymar, não haverá necessidade dos chutões de David Luis. Ao não poder recorrer ao herói, mais trágico do que nunca, os jogadores brasileiros poderão encontrar um novo antídoto: a força da equipe.

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