Sociedade

Os homens podem sentir a dor do parto?

Na China, homens recebem choques na barriga para entender como é “dar à luz”: esse tipo de simulação contém desprezo e ridicularização das mulheres

Homens recebem choques elétricos na barriga para estimular contrações, que variam da intensidade 1 à 10
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Um hospital da província de Shandong, na China, está oferecendo aos homens a oportunidade de experimentar a dor do parto. Até agora, cerca de cem homens já se inscreveram, a maioria deles pais “gestantes”, embora alguns estejam fazendo isso só pela “emoção”. Adesivos são presos a seus abdomens e uma série de choques elétricos são dados para estimular contrações, aumentando de intensidade de 1 a 10.

Tudo isso porque algumas futuras mães se queixaram de que não estavam recebendo simpatia e compreensão suficientes de seus parceiros. Certamente, mesmo que os homens percorressem todo o caminho até 10, eles ainda teriam muito pouca ideia do que as mulheres passam no parto.

Não estou negando que é sombriamente divertido pensar em todos aqueles idiotas rolando e segurando as barrigas ao receber choques elétricos. No ano passado, dois americanos fizeram algo semelhante na frente de suas mulheres grávidas. No entanto, alguém está fingindo seriamente que isso é algo mais que choques elétricos aplicados na barriga, uma espécie de Slendertone sádico para homens alucinados?

Não é um pouco horrível que o milagre do parto, uma experiência unicamente feminina, seja reduzido ao equivalente a uma diversão em um parque temático ridículo em benefício do macho da espécie, embora (crucialmente) com todos os detalhes realmente assustadores removidos? Imagino um idiota em um avental de laboratório virando-se para outro e dizendo: “Apenas dê alguns choques em seus estômagos, isso deve resolver”. Resolve?

Para começar, os sujeitos do teste só foram submetidos a essas correntes elétricas durante no máximo cinco minutos. Cinco minutos! O trabalho de parto real pode se prolongar por muitas horas, às vezes até dias. Além disso, os homens podiam interromper os choques se precisassem — eu gostaria de conhecer a mulher capaz de “parar” o trabalho de parto quando não aguentasse mais.

As grávidas também experimentam muitas mudanças físicas nos meses que antecedem o parto, sobretudo o fato de que há outro ser humano crescendo dentro delas. Depois há todas as coisas que podem dar errado — desde bebês mal posicionados a partos com fórceps e cesarianas de emergência, até rasgos vaginais, episiotomia, cordões enrolados no pescoço e natimortos. Que botão “divertido” apertamos para simular tudo isso?

Essas complicações (e outras piores) fazem parte integral do parto para a maioria das mulheres, quer elas as experimentem quer não. Isso é outra coisa que os adesivos de choques elétricos não podem simular — a ansiedade sobre coisas que podem dar seriamente errado durante o parto, o preço emocional que é cobrado de uma mulher. É por isso que dar à luz é tradicionalmente tão respeitado, não apenas porque é agonicamente estressante e inevitavelmente sangrento, mas porque o processo apresenta enormes riscos para a mãe e o filho.

Na melhor das hipóteses, essa simulação do parto é apenas um absurdo agradável. Sem um bebê envolvido, um choque elétrico no abdômen é apenas dor. Você poderia igualmente chutar um homem nos testículos — parece que também dói. Provavelmente não tanto quanto uma episiotomia ou um rasgamento vaginal, embora para os dois sexos essa talvez não seja realmente a hora de fazer uma competição.

Em última instância, porém, enquanto essa simulação de parto parece ser pró-mulheres (façam os homens sentirem nossa dor!), há algo nela que parece conter desprezo e ridicularização das mulheres. Sem dúvida é grotescamente desrespeitoso para o grande número de mulheres que são vítimas de mortalidade materna em todo o mundo, muitas das quais obrigadas a dar à luz sem drogas, assistência médica ou condições de higiene adequadas.

Para elas, dar à luz não tem a ver com Robbie Williams saltitando ao redor do leito de sua mulher no hospital, cantando “Let It Go”. É um negócio profundamente sério. Certamente não se trata de homens em busca de emoções — reduzindo a seriedade e o terror da etapa final da procriação a uma combinação bizarra de esporte radical com piada.

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