Sociedade

Filho de acusado de torturar índios atua na CNV. Para coordenadora, não há conflito

A psicanalista Maria Rita Kehl, responsável pelo grupo de trabalho sobre violações contra indígenas e camponeses, diz que o colaborador nãotem influência sobre relatório

Relatório fruto de CPI traz acusações contra Itamar Simões, pai do jornalista Inimá
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O grupo de trabalho responsável por pesquisar graves violações de direitos humanos no campo ou contra indígenas da Comissão Nacional da Verdade vive uma aparente incongruência. Segundo Marcelo Zelic, vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais, um dos pesquisadores que colaboram para desvendar crimes cometidos contra indígenas no período de 1946 a 1988 é filho de um antigo agente do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) acusado de maus tratos e até mesmo escravização de indígenas. O suposto conflito de interesse no grupo sob coordenação da psicanalista Maria Rita Kehl reside no fato de o colaborar Inimá Simões apurar denúncias contidas em documentos oficiais contra o seu próprio pai, Itamar Simões.

Sobre Inimá Simões não pesa nada. O problema que se coloca é que seu pai sendo citado no Relatório Figueiredo e seu nome incluído na Lista de Indiciados no Relatório Figueiredo sistematizada no Relatório Parcial nº 1, que entregamos à CNV em novembro de 2012, trazendo 39 nomes de pessoas acusadas de maus tratos, torturas, encarceramento privado e desaparecimento contra índios, provoca imediatamente um impedimento à sua participação como assessor ou colaborador direto na Comissão Nacional da Verdade. No mínimo existe conflito emocional e de interesse, sendo que neste caso deve valer a mesma conduta cuidadosa que foi aplicada para ex-presos políticos e parentes de mortos e desaparecidos, onde foi vetada a participação em trabalhos organicamente vinculados aos membros e grupos temáticos da CNV, não havendo, evidentemente, impedimento de colaboração em comitês e comissões organizadas no âmbito da sociedade civil, estados e municípios”, afirma Zelic em entrevista sobre os tipos de violações contra indígenas apresentadas no Relatório Figueiredo. O documento, que vem sendo fruto de análise do grupo de trabalho sob coordenação de Kehl, contém 7 mil páginas e é fruto de uma CPI em 1963 sobre o papel do SPI (órgão que antecedeu a Funai) e o roubo do patrimônio indígena no território do antigo estado de Mato Grosso e Amazonas.

Procurada por CartaCapital, a coordenadora Maria Rita Kehl disse não ver problemas nas acusações apresentadas pelo vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais. “Não é o Inimá quem vai decidir. Haveria problema se ele tivesse de ler e decidir o que entra ou não entra no relatório. Mas quem vai fazer o resumo do documento será o pessoal do Projeto República (grupo de pesquisa de Heloísa Starling,da UFMG)”, disse. Segundo ela, o grupo não trabalhará com base em subsídios trazidos pelo colaborador Inimá Simões. “E eles não são nem subordinados ao Inimá e nem em momento algum eu disse para eles conversarem com ele.”

Segundo Kehl, Inimá trabalha como voluntário e não como assessor. Não recebe salário, portanto, e apenas acompanha Maria Rita em viagens eventuais para pesquisa de campo. “Como, por motivos institucionais, ele é assessor de imprensa na Câmara dos Deputados, ele já tem um contrato e não poderia ter outro com nenhuma instituição federal. Então ele não recebe nada, justamente porque tem um outro salário federal. Ele é um colaborador voluntário, porque o assunto interessa a ele”, explicou. “O pouco que eu sabia sobre índios antes da Comissão foi por causa de conversas com ele.”

Rebatendo as críticas de Zelic, Maria Rita Kehl contou ainda ter sido do interesse de Inimá a leitura do Relatório Figueiredo, mas que ela teria deixado claro desde o início que sua história pessoal não se refletiria no trabalho do grupo.

Questionada sobre se o colaborador, que também é seu amigo de anos, seria afastado ou cuidaria da pesquisa de outros documentos, ela ressaltou que não há um assunto específico a cargo de Inimá. “Ele é colaborador e voluntário. Nem dá para atribuir a ele uma função especifica”, afirmou. “Se existe um conflito é de ordem pessoal, já que provavelmente ele está sofrendo ao ler determinadas coisas. Mas não há conflito de interesse para a produção do meu relatório.”

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