Não desisti, Tuffani

As últimas conversas com um notável jornalista

O jornalista Mauricio Tuffani, morto aos 63 anos (Reprodução)

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“Por favor, não desista de mim”. Generoso, modesto, Maurício Tuffani me fazia parecer mais importante na conversa do que realmente era. Há muito tempo eu tentava arrumar uma maneira de tornar frequente as suas contribuições à CartaCapital – ideia que, prefiro acreditar, o agradava.

Ao longo dos últimos anos, Tuffani, o mais destacado jornalista de ciências e meio ambiente do País, deu dicas preciosas de pauta, esclareceu dúvidas e nos honrou com um ou outro texto. De tempos em tempos voltávamos ao assunto, mas ora faltava dinheiro por parte da revista, ora disponibilidade no caso dele. Retomamos o contato em fevereiro. Ele havia assumido o jornal da Fapesp, mas estava disposto e disponível para incrementar, em parceria com a revista, a sua prestigiada newsletter, “Direto da Ciência”.

Como todo ser inteligente e racional, Tuffani fará falta

Na primeira conversa pelo Zoom, ele me contou, de forma serena, a descoberta do Mal de Parkinson. Não me pareceu abalado, ao contrário. Queria fazer mais coisas, não perder tempo. Manejava um copo de vinho e me falou do hábito de tomar no fim da tarde uma dose de uísque, outra bebida que apreciava. Trocamos impressões sobre a pandemia e o isolamento social e combinamos os próximos passos. Duas semanas depois, entrei em contato novamente. Em 16 de março, antes de concluir com a frase do início deste texto, ele escreveu: “Estes estão sendo meus piores dias”.

Os compromissos na Unesp, problemas burocráticos com o plano de saúde, uma virose inesperada (não Covid-19) e outros contratempos adiaram a entrega do projeto. Em 24 de maio, ele informou pelo Whatsapp: “A novela está em seu último capítulo. Comecei a montar um PowerPoint para apresentar a ideia. Você não vai se arrepender pela espera”.

Tuffani morreu uma semana depois, na segunda-feira 31, de forma súbita, aparentemente sem relação direta com a doença. Perdemos não só um jornalista competente e honrado, mas uma alma gentil, suporte para os amigos e conhecidos abandonados neste deserto escaldante, onde as únicas sombras são projetadas pelos abutres que sobrevoam as carcaças da esperança e da sanidade. Como todo ser inteligente e racional, Tuffani fará falta.


Ahhh, o que respondi ao “Por favor, não desista de mim”? “Nunca”.

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