Sociedade

MST 30 anos – vida, paixão e delírio

Com Lula no poder, o movimento perdeu seu inimigo externo. Com a aliança do PT com os ruralistas, viu sua campanha se tornar uma miragem

Integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) chegam para reunião no Palácio do Planalto em agosto de 2011. A reforma agrária ainda é um objetivo distante
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O Movimento dos Sem Terra tem por “pais” a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Teologia da Libertação e o declínio das vocações eclesiásticas, padres e freiras, colocando em risco a continuidade da Igreja Católica no Brasil.

Como atesta pesquisa do Instituto de Estudos da Religião (Iser)¹, as vocações eclesiásticas encontram-se confinadas à agricultura familiar da região sul, e esta vem sendo desarticulada pelo avanço do agronegócio no campo desde os anos 70.

É então que a CPT irá recrutar quadros, capacitar e dar apoio logístico ao Movimento, cuja saga e mito iniciais dar-se-ão na Encruzilhada Natalino, Rio Grande do Sul – célebre ocupação de terras ocorrida em 1979, em plena ditadura.

Inicialmente restrito aos estados do Sul, pois o velho sindicalismo rural permanecia forte no Norte e Nordeste, o MST se nacionalizou, dramaticamente, na esteira da tragédia de Eldorado dos Carajás, em 1996, e alcançou seu ápice em 1997, com a Marcha sobre Brasília e a novela o Rei do Gado, da Rede Globo.

Foi nesse momento que os sem-terra semearam acampamentos de Norte a Sul do País, realizando mais de 600 invasões em 1998. À época, eles estavam presentes em todos os conflitos que pipocaram no meio rural, como, por exemplo, as estiagens e secas, chegando a ocupar escolas e supermercados no meio urbano…

Toda essa disposição e vitalidade entraram em declínio, crise, e beiraram o colapso com a chegada de Lula à Presidência da República – que prometeu fazer a reforma agrária “de uma só canetada”.

Nascidos no berço do sindicalismo urbano do ABC paulista, Lula e o PT jamais foram devotos da reforma agrária e seus movimentos, para além da retórica. Ainda por cima, ambos migravam ao centro político, visando alcançar a Presidência da República, dando passos nessa direção tanto no Congresso do Anhembi, quanto, em seguida, na Carta aos Brasileiros, e, por fim, via aliança duradoura com o peemedebismo em 2006. Portanto, nada mais distante do esquerdismo e das ações radicais do MST, que foi, adiante, amortecido e “domesticado”.

Inicialmente, pela cooptação da sua direção e quadros intermediários, via Incra e Ministério do Desenvolvimento Agrário, além da irrigação de verba grossa nos cofres das cooperativas e ONGs satélites dos sem-terra.

De espetacular impacto, porém, foi a expansão do programa Bolsa Família que, chegando aos grotões, em especial no Nordeste, decretou a queda da demanda real pela reforma agrária, com o correlato despencar das invasões de terra e da média de invasores por ação.

Essa queda se refletiu no número de hectares desapropriados, que, na média dos anos FHC (Fernando Henrique Cardoso), foi de 1,3 milhão de hectares – chegando a 2,5 milhões em 1998 -, para uma média de 400 mil hectares nos governos Lula/Dilma e inexpressivos 6 mil hectares em 2008²!

Certamente decisivo para levar o Movimento a sua atual crise política, a chegada do PT ao poder subtraiu ao MST seu elemento principal de coesão e impulso: o mal absoluto, encarnado no “neoliberalismo” dos governos FHC, ironicamente quem mais desapropriou terras e assentou famílias em toda nossa história…

Carente do seu inimigo externo, o Movimento perdeu o rumo. Pior ainda: no poder, o lulo-petismo se aliou a outro dos seus adversários, o agribusiness, resultando que, mesmo dispondo de oceânicas maiorias no Congresso Nacional, em nada a legislação agrária avançou. O mesmo pode-se dizer da promessa de revisão dos índices de produtividade da terra que, permanecendo intocados, tornaram os milhões de hectares que seriam liberados para os sem-terra em uma miragem.

No tempo em que se propor um projeto para o Brasil tinha por imperativo a realização de uma reforma agrária, nossa urbanização era incipiente. De quebra, estávamos a meio caminho da transição da ancilar economia rural para a industrialização e caminhávamos para criar um mercado nacional, interligando infraestruturas regionais.

Hoje, temos um expressivo parque industrial, um sistema de cidades aonde vivem nove em cada 10 brasileiros, e o campo caminha para a redução inexorável da sua população remanescente. Em paralelo, desenvolvemos um agronegócio globalmente competitivo e a nossa secular pobreza rural vai sendo reduzida, via programas de transferência de renda e crescente malha de assistência social.

E o MST? Ainda que tenha o mérito de ter colocado na agenda nacional as demandas dos sem-terra e ajudado a reduzir a violência do patriciado rural, segue irreformável. Autoritário, centralizador e organizado dentro de uma hierarquia rígida que impõe os mesmos líderes de 30 anos atrás – egressos em sua esmagadora maioria do sul –, tende a assumir coloração milenarista, pregando a chegada futura da Era. Em realidade, o delírio de um passado sem volta.

Raul Jungmann, vereador no Recife pelo PPS, foi presidente do Incra e ministro do Desenvolvimento Agrário no governo Fernando Henrique Cardoso

¹ Survey realizado pelo Instituto de Estudos da Religião
² Dados oficiais do Incra

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