Sociedade

Ministério Público valida serviço da Fundação Casa

Em resposta a artigo de promotores, órgão responsável pelas medidas socioeducativas em SP critica o que chama de “desconhecimento” do MP

"O excesso de aplicação de internação provisória e internação por tráfico tem gerado um excesso de adolescentes na instituição", justifica a Fundação Casa ao abordar a superlotação
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O artigo publicado em CartaCapital na sexta-feira 6 retrata, de forma irreal e com inverdades, a aplicação da medida socioeducativa prestada pela Fundação Casa em todo o Estado, apontada pelos autores, integrantes do Ministério Público de São Paulo. Vale a pena elucidar primeiro que as políticas públicas são obrigações das três esferas de Governo – Federal, Estadual e Municipal – e dentro do Estado, de várias secretarias que devem atuar em parceria com a Casa.

Como podem os promotores afirmar que existe um serviço socioeducativo incompetente no Estado, se o Conselho Nacional do Ministério Público, baseado em relatórios emitidos pelos membros do “Parquet”, publicou o relatório “Um olhar atento às unidades de internação e semiliberdade para adolescentes” relatando que 91,3% das unidades de internação e semiliberdade visitadas em São Paulo “foram consideradas adequadas no quesito salubridade”. Com relação às salas de aula, continua o relatório: “os melhores resultados foram encontrados no Sudeste, onde, em 82,9% das unidades visitadas, as salas de aula foram consideradas adequadas…Também com exceção da Região Sudeste, não se percebe nas unidades de internação a atenção devida na disponibilização de espaços para a prática de esportes, cultura e lazer”.

Além disso, os relatórios decorrentes das visitas realizadas a cada dois meses pelos Promotores de São Paulo – muitos dos quais assinados pelo ilustres Promotores – também não condizem com várias das afirmações feitas. Há constatação inequívoca de que os jovens têm acesso à educação formal, cursos de educação profissional básica, oficinas de arte e cultura, atividades esportivas, atendimento psicossocial, atendimento odontológico, médico e de saúde mental, contando com convênio com o Instituto de Psiquiatria da USP.

Com relação aos investimentos, esclarece-se que a Fundação Casa tem suas contas aprovadas pelo Tribunal de Contas e pelas auditorias realizadas pela Secretaria de Estado da Fazenda. A instituição também cumpre todas as regras da Administração Pública, especialmente no que diz respeito à probidade e a transparência de seus atos.

Também não é verdade que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tenha dito que o índice de reincidência na Fundação CASA é de 54%. O CNJ se refere ao “índice nacional de reincidência dos adolescentes internos” não especificamente em relação ao sistema paulista, como faz crer o artigo dos ilustres membros do MP.

Quanto ao excesso de lotação, esqueceram-se os senhores Promotores de que a Fundação Casa tem autorização da Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo para exceder em até 15% a população de suas unidades. Também olvidou que há muito os Tribunais Superiores vêm concedendo centenas de “habeas corpus” a jovens internados indevidamente em São Paulo por atos infracionais que, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, não deveriam gerar esta medida tão gravosa. E que todas estas internações indevidas – provisórias ou definitivas – são requeridas pelo Ministério Público.

Frise-se que, de acordo com Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), nos casos de tráfico de drogas, por não haver violência ou grave ameaça a pessoa, os jovens devem receber medidas mais brandas, não havendo necessidade, portanto, de anterior internação provisória. O excesso de aplicação de internação provisória e internação por tráfico tem gerado um excesso de adolescentes na instituição. Mesmo assim, cumprindo integralmente o que está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Sistema Nacional de Medida Socioeducativo, das 6h às 22h, todos os adolescentes da Fundação Casa têm uma agenda multiprofissional que inclui atividades de escolarização formal, esporte, cultura, educação profissional, além do atendimento de psicólogos e de assistentes sociais.

Sobre o período abreviado da medida socioeducativa, trata-se de princípio inserto na Constituição da República, no próprio ECA, artigo 121, e também no artigo 35 da Lei do Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), devendo, assim, todos os operadores do sistema, aí incluída a Fundação Casa, obedecer  aos princípios constitucionais da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

O artigo também retrata uma realidade equivocada ao citar que 90,2% dos adolescentes estão privados de liberdade em razão da prática de atos infracionais graves. A grande maioria das infrações é relacionada ao envolvimento com roubo, sendo responsável sozinho por 43,81% das internações, seguido pelo tráfico de drogas, com 38,24%. Já em relação aos atos infracionais considerados análogos aos crimes hediondos, os índices são, respectivamente: homicídio (2,48% – somando todas as qualificações), latrocínio (1%), estupro (0,73%) e sequestro (0,11%).

Lamentavelmente, as afirmações equivocadas mostram, no mínimo, um certo desconhecimento dos autores sobre a evolução pelo qual o Estado de São Paulo passou em seu sistema socioeducativo desde 2005. Hoje, pode-se se afirmar que o cenário é bem diferente do outrora vivenciado pela antiga Febem. O índice de reincidência, que era do patamar de 29%, em 2005, caiu para 14%, em 2015. As rebeliões, que já somaram mais de 50 registros em 2005, caíram para cinco somente em 2014. Atualmente, a instituição atende a 9.766 adolescentes e possui 150 centros socioeducativos espalhados pelo Estado, sendo 71 deles inaugurados desde o início da política de descentralização do atendimento.

É fato que a Fundação tem problemas, mas são infinitamente menores do que eram anos atrás e infinitamente menores do que o alarde feito com o discurso que ora se combate. Enfim, poderia aqui discorrer sobre tantas outras medidas tomadas pelo Governo do Estado para aperfeiçoar o sistema de atendimento da Fundação Casa. O que não dá para aceitar é que um sistema tão grande e complexo como o paulista, que depende da atuação conjunta e efetiva dos atores do sistema de garantia dos direitos, como o próprio Ministério Público, seja alvo de insinuações sem comprovação.

* Berenice Giannella é presidente da Fundação Casa, mestre em Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito da USP e procuradora do Estado desde 1987

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