Do Rio de Janeiro
Um dos depoimentos mais esperados na audiência pública sobre tortura e morte na antiga sede da Polícia do Exército na Vila Militar na sexta-feira 24, o médico do Exército Hargreaves Figueiredo Rocha negou ter assinado o laudo de morte do militante Severino Viana Colou.
De fala baixa e olhos cansados, o médico aposentado disse não reconhecer o documento oficial do Hospital Central do Exército, no Rio. “Eu? Laudo de necropsia? Eu nunca trabalhei com medicina legal, Vocês estão completamente equivocados”, protestou.
Aos 82 anos de idade, Rocha disse nunca ter sido médico legista e ter trabalhado prioritariamente com crianças. “Eu respeito a pessoa humana. E sempre obedeci os princípios democráticos. Eu nunca trabalhei nisso, botaram meu nome aí. Isso está errado, e eu estou dando a minha palavra”, declarou na audiência organizada no auditório do Arquivo Nacional pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) e pela Comissão da Verdade Estadual do Rio. “Se aqui é comissão da verdade, pode riscar meu nome daí porque isso é mentira.”
Rocha conta ter trabalhado no Hospital Central do Exército de 1966 a 1970, ano em que foi transferido para a cidade mineira de Itajubá. Apesar de ter ficado anos na carreira militar, na qual chegou à patente de major, ele disse que ao longo de sua atuação no Exército desconhecia qualquer caso de tortura praticado pelos colegas das Forças Armadas, assim como negou qualquer coerção para assinar laudos de militantes contrários à ditadura mortos. “Eu sou felizardo. Na minha passagem pelo Exército, nesses 37 anos, não soube nada do que ouvi aqui nesta sala.”
Assassinado. Membro do Colina (Comando de Libertação Nacional), Severino Viana Colou era sargento da Polícia Militar da Guanabara e participou de ações armadas no ano de 1968, com outros militantes como João Lucas Alves, também assassinado pelo regime.
Preso, ele foi levado para a então sede da PE da Vila Militar, onde, de acordo com a versão oficial à época, foi encontrado morto na manhã de 24 de maio de 1969, “enforcado com a própria calça, amarrada em uma das barras da cela”.
O ex-preso político Almícar Baiardi, que esteve presente à sessão desta sexta-feira juntamente com outros militantes de esquerda que foram torturados na Vila Militar, contestou a versão dada pelas autoridades quando da morte de Severino. “A versão de que ele teria feito uma corda com a própria calça não tem o menor cabimento. Todos nós sabemos que ninguém na cela ficava com calça.”
O corpo de Severino somente deu entrada no IML-RJ em 2 de junho, vindo do HCE, onde havia sido feita a necropsia que confirmava a falsa versão de suicídio. No laudo da necropsia contam os nomes de Rubens Pedro Macuco Janini como médico legista civil e Hargreaves de Figueiredo Rocha como capitão médico.
Apesar da versão forjada pelos militares, depoimentos de ex-presos políticos nas auditorias militares apontam que a morte de Severino ocorreu sob tortura. Fato que Rocha diz não ter qualquer conhecimento. “Meu Exército, ao qual eu servi, foi muito diferente.”