Sociedade

Maria, a cubana que não se cala

Polícia Política de Cuba ameaçou deixá-la numa cadeira de rodas

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“Você acredita que é homem? Você acha que pode fazer o que quer? Você é mulher e vai aprender a ser mulher”, disseram agentes da Segurança de Estado a Maria Lleana Iglesias, que se posiciona politicamente contra o governo de Cuba. A jornalista, historiadora e antropóloga, após anos de perseguição política concretizadas em ameaças como essa, percebeu que não tinha mais condições de permanecer em seu país de origem, Cuba.

Maria nasceu em 1963, filha e vizinha de militares revolucionários. Quatro anos antes, as forças revolucionárias de Fidel Castro e Ernesto Guevara chegavam ao poder. Maria é uma mulher. Maria é negra e candomblecista. É carinhosamente Mimi, com tonicidade na primeira sílaba. Estudou história e antropologia, fez cursos de jornalismo, mergulhou em vários temas em suas pesquisas acadêmicas: mulheres cubanas, relações inter-raciais e de poder, identidade nacional, poder de autoridade, raça e nação. Ela acredita que os temas de suas pesquisas, que ela discutia com seus alunos de História e Filosofia da Universidade Havana, foi o que mais chamou a atenção da Segurança do Estado, conhecida pelos cubanos como Polícia Política – as forças de segurança em Cuba são politizadas.

Depois de afastada da Universidade, em 2012, no retorno de uma viagem aos Estados Unidos, Maria não conseguiu mais trabalhar, nem como professora, jornalista, tampouco em empregos não relacionados com a sua formação acadêmica. Seu “expediente político”,  espécie de relatório alimentado pelo governo com todas as informações de cada indivíduo cubano, desde o posicionamento político da família até declarações contrárias ao regime, funcionava como um obstáculo intransponível para novos trabalhos.

“Eu quero te contratar, Maria, mas não posso”, justificavam. Maria conta que as pessoas não a contratavam por ordem da Polícia Política, numa tentativa de reprimi-la por seus posicionamentos políticos contrários ao regime castrista, os quais Maria deixava explícitos, no ambientes acadêmico e fora dele.

Os ataques pioraram depois que ela voltou dos Estados Unidos, conta. Foi quando decidiu sair de Cuba, deixando a mãe, de 75 anos, e o ex-marido, 80 anos, também professor da Universidade de Havana. Seu pai falecera em 1995. Ela disse que resolveu deixar Havana porque as mortes em Cuba “acontecem de uma maneira muito estranha, nas cadeias ou nos hospitais”.

“Começaram a visitar meus familiares para me aterrorizar”, contando que a Polícia Política começou a invadir sua casa. “Eu deixava tudo fechado e a casa limpa. Quando voltava, a casa estava toda desarrumada. Minhas roupas estavam no chão, sujas. Meus documentos e meu passaporte sumiram”.

“A Polícia Política entrou em casa só para levar meu computador”, conta. “Me falou que não iam me assassinar, mas que me deixariam de cadeira de rodas”. Eles queriam que Maria parasse de se posicionar contrariamente ao regime de Castro. Vizinha de militares e tida como traidora por conta de seus posicionamentos, Maria e sua mãe tiveram que deixar o bairro, depois começou a ser pressionada verbalmente. 

Já não a deixavam defender o mestrado, que vinha desenvolvendo na Universidade de Havana. Professores e colegas falavam “você tem feito uma pesquisa de antropologia política, quando o governo não aceita isso, tirando conclusões que não tem a ver com o discurso oficial”.Na escola, vivia se despedindo dos amigos. Os  vistos como “traidores” eram convidados a se retirarem do país. “Cresci com a sensação de que nunca mais conseguiria ver as pessoas amadas”, conta. Em toda a sua educação, Maria conta que existia uma pressão muito forte para ver Fidel como um pai. Insistia-se em não ter ideias religiosas. Mais que educar politicamente, era preciso catequizar. “As crianças eram estimuladas a denunciarem seus pais por motivos políticos”, afirmando em Cuba é muito comum o que chamamos aqui no Brasil de “delação premiada”.

Formada em 1986, Maria trabalhou, de Cuba, também como jornalista para alguns veículos de comunicação internacionais, como a Rádio Única, de Miami, e a Rádio Monitor, do México. Mas o Ministério das Relações Exteriores de Cuba nunca a reconheceu como correspondente.

Em outubro de 2013, foi convidada para participar do XIII Colóquio Internacional de Direitos Humanos, da ONG Conectas, em São Paulo, representando a Comissão de Estudos da História de Igrejas na América Latina e Caribe. Foi a oportunidade que viu para deixar seu país, uma vez que só conseguiria sair da ilha com um convite vindo do exterior.

No dia 19 de outubro de 2013, ela entrou no Aeroporto Internacional de Cuba José Martí, sabendo que demoraria para retornar, ou que jamais voltaria. Fez o check-in em uma sala separada para otimizar os processos de embarque. Ao voltar para o saguão para abraçar sua mãe e seu ex-marido foi barrada. Ela foi única pessoa daquele embarque impedida de se despedir dos familiares. Maria acredita que isso também foi planejado pela Segurança de Estado. Ao chegar no Brasil, imediatamente solicitou refúgio.

A solicitação de refúgio ainda não foi aceita e como não tem os documentos necessários não consegue trabalhar.  A pouca renda que consegue chega através do Abraço Cultural, uma escola em que todos os professores estão em situação de refúgio e onde dá aulas de espanhol desde abril de 2015. Mesmo com o baixo rendimento que recebe, ainda manda remédios e itens básicos para sua mãe que está sozinha na ilha. Recentemente, enviou café, remédios e roupas.

Maria gostaria de trazer sua mãe para o Brasil, afirma que seria o ideal para ambas. Enquanto isso, com o mandato de Raúl Castro prestes a acabar, espera que as coisas melhorem em Cuba. Ela criou um abaixo-assinado na plataforma Change.org solicitando que o Brasil reconheça sua situação de refúgio. Com o reconhecimento, acredita que poderá “trabalhar e usar o dinheiro para pagar tratamentos de saúde que mãe precisa”.

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