Sociedade

Maioridade penal: o meio-termo é um embuste

Alckmin e o governo Dilma buscam uma solução para o debate que não vai mudar em nada a crise de segurança do País

Dilma Rousseff e Geraldo Alckmin em 2014: o meio-termo que parece estar sendo gestado deve gerar ganhos políticos aos dois, e poucos custos
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Diante do ímpeto da Câmara para reduzir a maioridade penal e da resistência do governo Dilma Rousseff (PT) à alteração na Constituição, está se desenhando uma solução tida como capaz de agradar a todos: a Carta fica como está, mas o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) muda e passa a prever penas mais elevadas para os menores que cometerem infrações equivalentes aos crimes hediondos. Apresentada como “meio termo” para um acirrado debate, a proposta é um embuste: de um lado contempla-se o desejo de vingança (travestido de justiça) de uma parcela significativa da sociedade e do outro a turma contra a redução pode manter alguma dignidade ao preservar a maioridade aos 18 anos.

O ardil é comandado pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB). Ressuscitou neste ano proposta apresentada pelo tucano ao Congresso em 2013, que altera o ECA para impor penas mais duras aos menores. O ministro da Comunicação Social, Edinho Silva (PT), abriu as portas para o diálogo e disse que o governo petista vai procurar Alckmin para dialogar. Alardeou uma proposta alternativa em elaboração pelos ministros José Eduardo Cardozo (Justiça) e Aloizio Mercadante (Casa Civil) que pretende, entre outras coisas, “combater a impunidade”. 

Do lado tucano, a medida é de uma hipocrisia que espanta. A incompetência da administração Alckmin no tratamento aos menores é equivalente à verificada na construção do metrô de São Paulo e na crise hídrica. Como mostrou o repórter Renan Truffi em dezembro passado, enquanto Alckmin defende penas mais duras para os menores infratores, a Fundação Casa, gerida por seu governo, solta a maioria dos menores com menos de um ano de internação para maquiar a superlotação.

Do lado petista, também sobra desfaçatez. O governo é contra a redução por saber que essa é uma “cláusula pétrea” da base progressista que o elegeu, mas é adepto fiel da política de encarceramento em massa, justamente a situação que a campanha contra a redução da maioridade penal combate. O caráter repressivo do governo Dilma, que transparece, por exemplo, em seu apoio às falidas UPPs cariocas, ficou claro durante a Copa do Mundo, quando o anseio de evitar problemas para o torneio superou o respeito às manifestações populares

A ampliação de penas aos menores infratores é uma medida inócua. Ninguém comete ou deixa de cometer um crime pensando no tempo em que vai passar encarcerado. É razoável crer, entretanto, que um fator definidor seja a perspectiva da impunidade, e esta não reside no tamanho da pena, mas na certeza da punição e na rapidez com a qual ela é aplicada. As garantias de que não haverá impunidade só podem ser dadas por uma polícia qualificada e por um Judiciário eficaz e justo. Não há notícias de que os governos Alckmin ou Dilma tenham trabalhado nesse sentido.

Como fazem questão de enfatizar os conservadores, cada indivíduo é integralmente responsável pela violência que comete. Mas, como mostram as estatísticas e afirmam inúmeros especialistas, a violência floresce em um determinado cenário, marcado pela ausência do Estado e pela privação de direitos, que retira dos indivíduos as perspectivas de um futuro próspero e decente. O resultado, para uma minoria, é a abertura de portas para a criminalidade.

A ampliação das penas é uma solução fácil e de poucos custos para os governantes. Mexe-se na lei, mas não se faz nada para tirá-la do papel e menos ainda para combater as raízes do problema original. Ao mesmo tempo, é uma medida que gera inúmeros dividendos. Apesar de sabidamente inútil, ela é vendida como eficiente, um diagnóstico aceito de bom grado por uma população desinformada, sem qualquer vestígio de censo crítico e bombardeada pelo “mundo cão” apresentado por jornalistas que cometem suas próprias ilegalidades ao denunciar crimes. Diante de uma sociedade acuada pela violência, ansiosa para que “alguma coisa” seja feita, os governantes optam pela alternativa que dará apenas uma impressão de ação. Algo foi feito, mas nada que aliviará o problema da violência. Basta pensar no dia seguinte à alteração da lei. Você se sentirá mais seguro?

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