Lucinha, a mulher louca

O impulso de trancar os loucos não foi invenção do pai ou do irmão de Lucinha, mas uma permanência na história da psiquiatria

Quadro 'A Casa dos Loucos', de Francisco Goya. Quando se grita 'por uma sociedade sem manicômio' é por uma sociedade sem mulheres trancadas e esquecidas

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O rosto escondido na rede é de uma menina – Lucinha viveu 16 anos trancada em um casebre no interior do Ceará. A família é miserável, vive da pouca terra que planta. A história foi contada por uma reportagem da Folha de S.Paulo no domingo 3. 

O que se sabe é que Lucinha sofre de esquizofrenia, em um momento engravidou de um desconhecido. O filho foi encaminhado para adoção, e ela trancada para não mais engravidar. Louca e mãe solteira foi o suficiente para a sentença comunitária de confinamento a um quarto pior que cela de presídio.

Lucinha não tinha banheiro ou banho de sol. Vivia só, trancada, mas não escondida.

A comunidade sabia do cárcere de Lucinha.

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Nos cafundós em que vivia, Lucinha foi isolada e trancada, porque como mulher-louca poderia engravidar de qualquer um. A loucura a deixava indócil às regras de disciplinamento da vida das mulheres, e a mais importante delas, a sexualidade.

O impulso de trancar os loucos não foi invenção do pai ou do irmão de Lucinha, mas uma permanência na história da psiquiatria.

Distante na história e na autoridade médica, o irmão de Lucinha reproduziu o gesto de isolar os loucos do convívio comunitário. Foram precisos 16 anos para que uma denúncia anônima convocasse polícia e imprensa para o horror do sofrimento de Lucinha.

Olhamos para Lucinha, a moça na rede do interior do Ceará, e imaginamos que formas perversas de tratamento para pessoas em sofrimento mental, como trancar ou isolar, são ruindades de famílias cruéis.

Não é verdade.

Basta olhar para a faxina na Cracolândia de São Paulo ou para o retorno dos hospícios no Brasil como política de saúde: é a mesma criatividade perversa – confinar ou desaparecer com os loucos.

Assim como Lucinha que um dia foi trancada, e somente 16 anos depois liberta, essa é a história dos que passam pelos muros dos manicômios.

Quando se grita “por uma sociedade sem manicômio” é por uma sociedade sem mulheres trancadas e esquecidas como Lucinha.

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