Sociedade

Livro sobre Edir Macedo destrincha a trajetória do bispo mais poderoso do Brasil

O bispo é o único brasileiro a possuir uma igreja, uma rede de tevê, um partido político e a sociedade em um banco

O bispo Edir Macedo
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Fundada em 1977 no salão de uma antiga funerária no subúrbio do Rio de Janeiro, a Igreja Universal do Reino de Deus transformou-se num fenômeno religioso-comercial e midiático. É uma gigante neopentecostal, com 10 mil templos, 14 mil pastores, 320 bispos e milhões de fiéis espalhados por todos os estados brasileiros e mais de cem países. Seu líder máximo, o bispo Edir Macedo, comanda um império empresarial, com dezenas de emissoras de rádio e tevê e companhias nos mais diferentes ramos – de jornais a hospital, operadora de plano de saúde, seguradora e corretora. É o único brasileiro a ter sob os seus domínios uma igreja, uma rede de televisão, um partido político e a sociedade em um banco.

Ex-escriturário da estatal carioca Loterj, conseguiu esse emprego em 1963, ainda bem jovem, com um empurrãozinho do então governador carioca Carlos Lacerda, amigo de sua família. De origem católica, converteu-se à fé evangélica pouco tempo depois, ao ingressar na igreja pentecostal Nova Vida, do pregador canadense Robert McAlister. Macedo sonhava em ser pastor e não desistiu do objetivo, apesar de seus líderes religiosos acreditarem que ele não tinha “o chamado de Deus para fazer a obra”. Oriundo da pequena Rio das Flores, na Região Serrana do Rio de Janeiro, não tem mais contato com os familiares que vivem ali. Por isso, parte deles, na cidade, rejeita o parente rico e famoso.

O bispo é um líder carismático e alimenta o culto à sua personalidade. Criou a máxima “para Jesus, até gol de mão vale”, segundo o pastor dissidente Carlos Magno de Miranda, o primeiro a fazer denúncias públicas contra ele, em 1991. Ambicioso, obstinado, destacou-se como empreendedor, um realizador, que enxerga adiante. Anteviu excelentes oportunidades de negócios e parcerias. Delega poderes e confia a condução de tarefas a assessores. Mas comanda a igreja e as empresas com mão de ferro, de cima, acompanhando, fiscalizando e disparando ordens – cumpridas imediatamente –  a auxiliares em diferentes partes do mundo. A estrutura da Universal é montada em torno do bispo. Funciona como uma pirâmide, de cujo topo ele exerce o poder supremo e se impõe como figura mística, o único grande líder.

A Universal cresceu a partir de uma estratégia de utilizar o rádio – com espaços alugados, no início – para arregimentar fiéis e, depois, abrir novos templos. O alcance da pregação radiofônica mapeava a inauguração de novas sedes. A partir da mobilização feita por pastores em seus programas, montava-se um núcleo, num clube, por exemplo, e os fiéis eram convocados para um grupo de oração. O dinheiro arrecadado financiava mais horários em meios de comunicação para difundir a mensagem religiosa.

O Reino. Gilberto Nascimento. Cia das Letras. 384 págs. R$ 59,90

Enquanto igrejas católicas permaneciam fechadas boa parte do dia, a Universal surgia como uma espécie de “pronto-socorro espiritual”, aberta 16 horas por dia, oferecendo soluções aos fiéis para os problemas cotidianos. Centrava suas mensagens nos poderes milagrosos do Espírito Santo. Prometia a cura, saúde, felicidade, libertação e prosperidade. Bastava expulsar o responsável, o único culpado por todos os males, o demônio. E, evidentemente, contribuir com a obra de Deus.

A igreja crescia, passava a lotar cada vez mais os seus templos, a partir do fim dos anos 1980. Beneficiava-se de uma suposta onda de perseguição. Dizia-se atacada e vilipendiada pela Igreja Católica e pela Rede Globo. Após a compra da TV Record, em 1989, passou a ter os seus passos vigiados pelos grandes meios de comunicação. “Mas minha igreja é como uma omelete. Quanto mais bate, mais cresce”, provocava o bispo. Assim, a Universal avançava. Expandiu seus tentáculos na mídia, na política, na sociedade e no meio empresarial.

No recém-lançado livro O Reino – A História de Edir Macedo e Uma Radiografia da Igreja Universal, procuro contar a história de Macedo e sua igreja sem apontar o contestado líder religioso como herói ou vilão. É um trabalho jornalístico com o objetivo de mostrar fatos a envolver a instituição e seu líder, em mais de 40 anos de atuação, independentemente de serem vistos como positivos ou negativos. O leitor fará o julgamento.

O bispo é o único brasileiro a possuir uma igreja, uma rede de tevê, um partido político e a sociedade em um banco

O livro descreve a infância e a juventude de Macedo, a sua conversão religiosa, a performance no púlpito, as provocações às religiões afro-brasileiras, as denúncias de envio de recursos obtidos nos cultos ao exterior, os processos na Justiça, o conglomerado empresarial do grupo, a construção de sua maior obra, o Templo de Salomão, e a sucessão em sua igreja – Macedo passou a abrir espaço para a progressão de seu genro, o bispo Renato Cardoso, casado com a filha Cristiane. Relata os bastidores da compra da Record, episódios como o “chute na santa”, protagonizado pelo ex-bispo Sérgio von Helde, afastado tempos depois, e o polêmico vídeo – descoberto por este repórter –, no qual Edir Macedo, num hotel em Salvador, ensinava aos pastores estratégias para conseguir arrancar mais dinheiro dos fiéis e contava dólares no chão em um templo em Nova York.

Foram quatro anos de trabalho, 70 entrevistados, entre eles ex-bispos e ex-pastores. Vários falaram sob condição de anonimato. Os relatos baseiam-se ainda em depoimentos de ex-funcionários de empresas ligadas ao Grupo Universal, documentos disponíveis no Poder Judiciário, denúncias encaminhadas pelo Ministério Público, pesquisas e livros acadêmicos, trabalhos de dezenas de colegas jornalistas veiculados desde o fim dos anos 1980, além de reportagens do próprio autor em revistas e jornais nas últimas três décadas.

De mera apoiadora, a Igreja Universal considera-se agora parte integrante do poder político no País

O plano de expansão de Macedo sempre esteve atrelado ao poder político. Para o bispo, o dinheiro possibilita atingir um determinado ponto na escala de poder, o qual só pode ser superado por meio da política. Quando dinheiro e política se cruzam, atinge-se um patamar superior nessa estrutura de poder, dizia Macedo a seus auxiliares próximos.

Não à toa, a Universal montou, em 2005, o seu próprio partido político, o PRB, agora chamado de Republicanos. Pela legenda, levou à reeleição, no ano seguinte, o vice-presidente da República José Alencar, na chapa do petista Luiz Inácio Lula da Silva. Dez anos depois, o sobrinho do bispo, o então senador Marcelo Crivella, conquistaria a prefeitura do Rio de Janeiro. Nas eleições de 2018, o partido continuou a ampliar o seu projeto de poder. Elegeu um vice-governador, Carlos Brandão, no Maranhão, um senador, Mecias de Jesus, em Roraima, 30 deputados federais e 42 estaduais espalhados pelo Brasil.

Fé e voto. Bolsonaro é o consagrado, embora Macedo nunca tenha se recusado a abençoar o poder, de Lula a Alckmin

Pragmáticos, Macedo e sua igreja, desde a primeira eleição direta para a Presidência da República, em 1989, alinham-se aos ocupantes do Palácio do Planalto. O bispo sempre esteve ao lado do poder. Enfileirou-se ao lado de Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Iná-cio Lula da Silva, Dilma Rousseff, Michel Temer e, agora, Jair Bolsonaro. Nos estados e prefeituras, em geral a igreja repete o mesmo procedimento: apoia os governantes de plantão, salvo raras exceções. A partir do fim dos anos 1980, execrava o PT e a esquerda, comparando Lula ao “satanás”. Em 2002, não titubeou, porém, em apoiar o ex-metalúrgico e sua sucessora, Dilma, ao longo dos 14 anos de gestão petista. Quando a presidenta começou a perder apoio político, o então PRB passou a defender o impeachment e, em 2016, ingressou no governo Temer. Ganhou, então, o Ministério da Indústria e Comércio.

No ano passado, o fundador da Universal reforçou o ativismo de líderes conservadores evangélicos que, na última década, reacenderam o antigo discurso de que a tradicional família brasileira estava ameaçada pelo “comunismo” e pelo “satanismo”. Voltava à tona, assim, nas eleições passadas, o discurso de que a esquerda, representada pelo PT, iria perseguir os cristãos, inflar as teses e ações do movimento LGBT e distribuir um kit gay nas escolas para incentivar as crianças a mudar de orientação sexual. Essa ladainha foi turbinada por notícias falsas em grupos de WhatsApp, aterrorizando, sobretudo, os evangélicos.

Lula e Edir MacedoO bispo é o único brasileiro a possuir uma igreja, uma rede de tevê, um partido político e a sociedade em um banco

Macedo, inicialmente, havia apostado suas fichas no candidato tucano ao Palácio do Planalto, o ex-governador Geraldo Alckmin. Imaginara, mais uma vez, a polarização entre petistas, à esquerda, e os tucanos, ao centro – o cenário predominante no País nas últimas duas décadas. Mas, ao ver Bolsonaro ganhar espaço entre os evangélicos, erguendo bandeiras em defesa dos valores da família, combatendo o casamento gay e aquilo que chama de “ideologia de gênero”, não hesitou em pular do barco tucano e dar o seu apoio ao capitão da reserva.

A igreja nunca havia comemorado a vitória de um candidato tão afinado com as suas propostas e seus valores. Se sempre esteve ao lado do poder, a eleição de Bolsonaro o fez se sentir em casa. De mera apoiadora, a Universal considera-se agora parte integrante do poder político instituído no Brasil. Para deleite de bispos e pastores evangélicos, nunca antes na história deste país houve um presidente da República tão genuinamente identificado com as causas religiosas conservadoras. A eleição de Bolsonaro, enfim, sacramentou a poderosa aliança entre governo e neopentecostalismo.

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