Sociedade

Luís Carlos Valois, o juiz garantista de Manaus que virou alvo após massacre

Conhecido por defender direitos humanos e criticar guerra às drogas, magistrado que negociou fim de rebelião no Compaj relata ameaças de morte

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Entre a noite de domingo 1º e a manhã de segunda-feira 2, o juiz Luís Carlos Valois, da Vara de Execução Penal do Tribunal de Justiça do Amazonas, ajudou a negociar a libertação de reféns no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, palco de uma carnificina que deixou 56 presos mortos. Agora, Valois afirma ser vítima de ameaças de morte.

O episódio no Compaj foi o mais recente na guerra entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), organizações criminosas que atuam nos presídios e disputam o controle do tráfico de drogas pelo País.

Na rebelião, integrantes da Família do Norte (FDN), grupo criminoso aliado ao CV, atacaram membros do PCC. Valois, convocado pelo secretário de Segurança Pública do Amazonas, Sérgio Fontes, a pedido dos presos, participou das negociações que culminaram com a libertação dos reféns.

As ameaças surgiram, afirma Valois, após reportagem publicada pelo Blog do Fausto Macedo, no jornal O Estado de S.Paulo. Valois denunciou as ameaças, que teriam sido feitas por integrantes do PCC, em seu perfil oficial no Facebook e as confirmou em entrevista a CartaCapital, concedida nesta terça-feira 3. 

Intitulada “Juiz chamado por presos para negociar é suspeito de ligação com facção do Amazonas”, a reportagem do Estadão traz informações da Operação La Muralla 2, realizada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal em junho de 2016.

O nome de Valois foi envolvido na operação pois ele é citado em um diálogo entre um suposto líder da FDN, chamado José Roberto Fernandes Barbosa, o “Zé Roberto da Compensa”, e sua advogada, Lucimar Vidinha, apontada como integrante da facção. Segundo uma inferência da PF, tomada aparentemente a partir das falas interceptadas da advogada, Valois teria pedido apoio da FDN para permanecer no cargo. 

Não há na investigação qualquer gravação de Valois. Para o juiz, seu nome foi envolvido na La Muralla II por conta de diferenças entre ele e a Polícia Federal. “Colocaram essas gravações no meio da operação para jogar na imprensa e me sacanear”, afirmou Valois a CartaCapital.

“A PF recorre de todas as minhas decisões, já representou contra mim, por eu ter uma posição garantista e questionar a legalidade de algumas prisões”, disse. “A PF nunca ficou satisfeita com a minha atuação”, afirmou

Valois nega qualquer pedido de apoio aos presos. “Nunca estive ameaçado de perder o meu cargo. Houve uma interpretação equivocada dessa advogada quando soube do meu pedido de licença para completar o doutorado”, disse. “Nunca fui afastado, continuo trabalhando e julgando. E todos os presos gravados na operação continuam presos”, afirmou.

Na tarde desta terça-feira 3, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) divulgou uma nota de apoio a Valois, criticando a operação contra ele e o comportamento da imprensa.

Matéria do Estadão reproduzida por diversos veículos de imprensa destacou uma suposta acusação feita contra Valois, que não condiz com a realidade e a seriedade do trabalho realizado pelo juiz”, afirma a entidade. “O magistrado Luís Valois tem o respeito da magistratura amazonense e brasileira que lhe disponibiliza, inclusive, os meios necessários à reposição da verdade e da honra atacadas”, afirma a AMB.

Posições progressistas que incomodam

Valois é conhecido no Amazonas por suas posições progressistas no Direito, em especial na defesa dos direitos dos presos, que contrariam o chamado populismo penal. Segundo uma jornalista de Manaus dedicada à cobertura da política local, Valois é uma pessoa séria em suas convicções. “Ele defende os direitos dos apenados e sempre que ocorre algo que foge do normal em um presídio ele se coloca à disposição para ajudar a negociar”, disse.

Um outro jornalista da capital amazonense afirma que a defesa dos direitos dos presos é só um dos fatores que gera resistência a Valois no Judiciário local. “Ele fez doutorado pesquisando o Direito Penal do combate às drogas e se posiciona de forma contrária às políticas e leis de combate ao tráfico como existem atualmente”. “Então para a mídia mainstream amazonense Valois sempre é pintado como maconheiro e associado a bandidos, porque ele ‘defende criminosos'”, afirmou.  

    

Valois também tem desafetos na política amazonense, por ser um crítico da administração carcerária do governo do Amazonas. Em julho de 2015, a Secretaria de Estado de Segurança Pública realizou uma operação no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, palco da barbárie de segunda-feira 2 e administrado pela empresa terceirizada Umanizzare, e encontrou “celas de luxo”, com itens como bebidas alcoólicas e videogames. O espaço era usado pelo líder da FDN “Zé Roberto da Compensa”.

O caso provocou escândalo e um debate institucional entre as secretarias de Segurança Pública e de Administração Penitenciária do Amazonas. Louismar Bonates, então secretário de Administração Penitenciária, afirmou que as celas diferenciadas eram usadas para visita íntima e eram do conhecimento de Valois.

O juiz, por sua vez, afirmou que as celas deveriam ser usadas por presos com bom comportamento. “Mas quem tem que definir isso é o diretor da unidade em parceria com a secretaria. Não existe luxo nas celas, que são superlotadas. O secretário de Segurança não sabe o que acontece lá dentro porque nunca vai lá. Todo mês eu visito as unidades e vejo o que acontece”, disse Valois à época ao jornal A Crítica, de Manaus.

As críticas à administração penitenciária do governo José Melo (Pros) fizeram Valois “ganhar vários inimigos no meio político” amazonense, segundo um dos jornalistas ouvidos por CartaCapital. “Para não se indispor, muitos ficaram em silêncio, mas ele fez críticas à vista grossa da administração penitenciária aos privilégios dos presos”, afirma outra jornalista local. Foi nesse período que os diálogos da Operação La Muralla II foram captados pela Polícia Federal.

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