Judiciário inocenta juíza que mandou prender advogada negra

Tribunal de Justiça concluiu que Valéria Lúcias dos Santos "se jogou no chão" e foi apenas "momentaneamente" algemada

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A juíza leiga Ethel Tavares de Vasconcelos não cometeu qualquer abuso ao chamar policiais para retirar a advogada Valéria Lúcia dos Santos da sala, segundo a comissão judiciária que analisou o caso. A conclusão é de que ela, na verdade, “se jogou no chão” e foi apenas “momentaneamente algemada”. As informações são da jornalista Mônica Bergamo, na Folha de S.Paulo.

A Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro havia pedido o afastamento da juíza e dos policias que algemaram Santos e a levaram até a delegacia. “Uma advogada no exercício da profissão presa e algemada dentro de uma sala de audiência. Isso é inconcebível, é uma afronta ao Estado de Direito, à advocacia brasileira e ao direito de defesa”, disse Bandeira, em coletiva de imprensa no começo de setembro. “Nada justifica o que ocorreu. Mesmo que a advogada estivesse errada em algo, caberia à magistrada registrar essas eventuais falhas em ata, jamais fazer o que fez”.

“Segundo a Súmula Vinculante 11 do Supremo Tribunal Federal, ela não poderia ter sido algemada. E existe legislação federal que veda a prisão do advogado no exercício da sua profissão, salvo em caso de crime inafiançável, o que não poderia ser o caso”.

Ainda assim, segundo o desembargador Joaquim Domingos de Almeida Neto, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o depoimento de Santos contradiz o que mostram outras provas. Neto afirmou que as evidências apontam que a advogada não levou uma rasteira e foi algemada, como ela contou – e sim que “se jogou no chão e se debatia quando veio a ser momentaneamente algemada, até que o representante da OAB chegou e ela se acalmou, havendo pronta retirada das algemas”.

Relembre o caso
Em uma sala de audiência no Fórum de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, a advogada Valéria Lúcia dos Santos defendia a sua cliente de uma cobrança indevida. Sem acordo, ela deu prosseguimento ao trabalho e pediu para ler as contestações da ré. A juíza leiga Ethel Tavares de Vasconcelos negou o pedido e deu a audiência como encerrada. Santos resistiu, enquanto aguardava pela chegada de um delegado da OAB. Dois policiais apareceram, a pedido da juíza, e cumpriram as ordens: algemaram Santos.

“Eu não vou sair, não, eu tenho que esperar o delegado da OAB, porque eu quero fazer cumprir o meu direito. Eu não vou sair eu estou no meu direito, eu estou trabalhando. Eu não estou roubando, não estou fazendo nada não. Estou trabalhando!”, insistia a advogada. De nada adiantou. Os policiais a levaram para uma delegacia – de onde só saiu com a chegada, enfim, do representante da OAB-RJ.


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Na tarde da terça-feira 11, o órgão organizou uma coletiva de imprensa para se posicionar a respeito do incidente. Luciano Bandeira, presidente da Comissão de Prerrogativas da Ordem, anulou a audiência e a remarco para outro dia. Também pediu o afastamento dos policiais e da juíza envolvidos na prisão de Santos.

Apesar de toda a situação, Santos não quis taxar os acontecimentos como racismo. Sempre que falamos em racismo, dizem que é vitimismo. O que aconteceu naquela situação foi uma violação à minha dignidade como pessoa humana, não apenas como mulher negra. Sou negra, não vou mudar. Mas quero trabalhar livremente. A juíza leiga é advogada como eu, por que as algemas?”, questionou. A advogada também terá direito a um ato de desagravo (ou retratação) pelo constrangimento.

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