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Judiciário conservador emperra punição de responsáveis pela ditadura no Brasil

Próximo passo é reforma das instituições de segurança e aplicação da justiça. Segundo especialistas, Lei da Anistia não precisa de alterações: Brasil é que deve cumprir decisões internacionais

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Ato lembra os 50 anos da Ditadura Militar (1964-1985) em frente ao prédio que abrigou o DOI-CODI| Ditadura
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O principal desafio do Brasil após a entrega do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), nesta quarta-feira 10, é a reforma das instituições de segurança e o respeito a leis internacionais de direitos humanos.

Apesar de o documento criticar a Lei da Anistia, de 1979, que inocentou todos os que cometeram crimes políticos durante a ditadura, o Brasil ainda não cumpriu determinações da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), de que fossem punidos os agentes da repressão militar. O país foi condenado em 2010 por graves violações de direitos humanos durante a ditadura, no processo sobre a Guerrilha do Araguaia. Em outubro deste ano, a CIDH voltou a criticar o Brasil.

“O obstáculo mais complexo neste momento é um Judiciário extremamente conservador. Muitos juízes ainda rechaçam a importância dos direitos humanos no Brasil”, avalia Emilio Meyer, pesquisador visitante do King’s College, em Londres, e professor da UFMG.

Duas ações que pedem responsabilização dos agentes da ditadura e a revisão da Lei da Anistia aguardam julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2010, a Corte se posicionou contrária a um pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Para o procurador regional da República Marlon Weichert, do ponto de vista jurídico é desnecessário discutir a revogação da lei de 1979. Afinal, a própria CIDH já considera a Lei da Anistia inválida para o caso de crimes contra a humanidade praticados durante a ditadura.

“Isso é suficiente, porque essa decisão é autoaplicável e vinculante a todos os órgãos do Estado brasileiro. A solução já está dada. O que falta é todos os órgãos do Estado passarem a cumprir a determinação da Corte”, explica Weichert.

Segundo o procurador, a desobediência se deve a uma “certa ignorância” sobre o direito internacional. “É uma tentativa política de discutir o conceito de soberania, como se fosse uma ofensa à Justiça brasileira respeitar a decisão de um tribunal internacional. É preciso que o STF reconheça que não há alternativa, senão cumpri-la.”

Weichert destaca que, ao manter um posicionamento contrário a uma ordem internacional, o Brasil garante impunidade a agentes estatais. “Precisamos de uma quebra nesse ciclo de impunidade, que mantém um estado permanente de afronta à cidadania. Esse é um direito de toda a sociedade, não apenas das vítimas e seus familiares.”

Apesar de o Brasil ainda não ter se engajado na punição dos responsáveis pela repressão, a Comissão da Anistia, criada em 2001, já deferiu cerca de 40 mil pedidos de reparação moral ou financeira a vítimas da ditadura. De acordo com o Ministério da Justiça, foram feitos 74 mil pedidos até a última sexta-feira; 12 mil aguardam julgamento. Apenas neste ano foram mais de 1.300 solicitações.

Segundo Eduardo González, diretor do Programa Verdade e Memória do Centro Internacional para Justiça de Transição, em Nova York, a política brasileira de reparação a vítimas do regime militar é um exemplo para o mundo, mas o país está atrasado quanto à Justiça criminal e à reforma das instituições de segurança.

“Os tribunais de Justiça permanecem presos a uma interpretação da Lei da Anistia que viola as obrigações do Brasil”, afirma González. “A polícia é militarizada e comete excessos, e as Forças Armadas ainda não assumiram responsabilidade pelos crimes da ditadura. O Brasil tem um longo caminho pela frente para reformar a doutrina e a prática das forças de segurança e, assim, evitar que se repitam as graves violações de direitos humanos.”

O jurista americano Mark Osiel, que atuou como consultor para a acusação do general chileno Augusto Pinochet e dos genocidas de Ruanda, afirma que é incomum o tempo levado pelo Brasil para produzir um dossiê sobre as violações provocadas durante a ditadura. “A Argentina e o Chile produziram relatórios consistentes e completos imediatamente após as transições para a democracia, em 1983 e 1991, respectivamente”, observa.

Segundo González, abrir os arquivos oficiais e revelar as atrocidades cometidas durante a ditadura é uma “obrigação legal e moral” para o Brasil. “Além disso, avaliar os padrões das atrocidades cometidas em décadas passadas é fundamental para entender os problemas em curso na sociedade brasileira: a continuidade da violência do Estado contra os pobres, os marginalizados, os presos, entre outros.”

  • Autoria Karina Gomes

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