Sociedade

Jardim da União: uma pequena cidade autônoma corre perigo

Ocupação na zona sul conta com 600 famílias e sofre o risco de despejo

Jardim da União: abandono do Estado
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A história da coordenadora Sonia Santos Freitas, 49 anos, representa um pouco da realidade das 600 famílias que vivem no Jardim da União, ocupação na zona sul de São Paulo. Iniciada em outubro de 2013, a comunidade está hoje tão estruturada que conta com coleta seletiva, hortas, creche e bibliotecas construídas e geridas pelos moradores. 

Há dois anos, Freitas e sua família foram expulsas de outra ocupação na mesma região. Ficaram no local seis meses até a violenta reintegração de posse em setembro de 2013, quando barracos foram destruídos e os moradores, expulsos aos trancos pela Polícia Militar. Durante a operação, sua neta de cinco anos, Ketly, se feriu e passou 15 dias internada. “Correndo, enquanto meu filho a arrastava pelas mãos fugindo da PM, ela se machucou muito… foi um trauma”, diz.

Dois anos depois, a história pode se repetir. A família de Sonia – e todas as demais no terreno – podem ser expulsas de suas casas ainda em agosto. A ocupação é distribuída em quadras, as ruas são muito bem divididas e a organização e simpatia dos moradores surpreendem, mas o medo do despejo está presente no discurso de todos. Nas palavras de Sonia, a ocupação está em “pé de guerra”.

O terreno no qual reconstruíram suas vidas pertence à CDHU, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo. A reintegração de posse foi pedida e aprovada pela Justiça em dezembro de 2014, mas adiada duas vezes. A primeira negociação aconteceu em março de 2015. O segundo prazo dado pela gestão Geraldo Alckmin (PSDB) para as famílias desocuparem o local venceu em 1º de julho. Após mais uma negociação entre a Defensoria Pública e representantes da ocupação, a CDHU determinou ao movimento que apresentasse um projeto alternativo de moradia até o dia 28 de julho. 

biblioteca-jardim-uniao.jpg A biblioteca é uma das estruturas montadas na ocupação (Foto: Andre Zuccolo)

Sandra de Moura, uma das coordenadoras do movimento, é conhecida por todos e responsável por apresentar a ocupação. “A reunião do dia 28 não resolveu nada porque a prefeitura ainda não tinha nos mostrado a relação de terrenos viáveis na região para pensarmos em um projeto alternativo de moradia para as nossas famílias”, explica.

Os terrenos apresentados pela gestão Fernando Haddad (PT) estão em processo de desapropriação pela prefeitura, por falta de verbas, e um deles será destinado à construção de moradias populares para as famílias da ocupação Jardim da União.

Mas uma questão apontada por Sandra para essa solução é a necessidade de negociar por quanto tempo as famílias do Jardim da União ficariam no terreno da CDHU enquanto as moradias alternativas estiverem sendo construídas, ou para onde elas iriam. “E também o risco da reintegração de posse continua. A juíza pode executar a liminar nesse meio tempo”, denuncia a coordenadora do movimento.

A secretaria estadual de Habitação e a CDHU alegam ter pedido na Justiça a reintegração de posse para construir no terreno 517 unidades habitacionais “para atendimento à demanda do município de famílias de áreas de mananciais já cadastradas nas esferas municipal e estadual”. As moradias que serão construídas são parte do Projeto Mananciais Alto Tietê, criado com o objetivo de recuperar a qualidade da água da Bacia da Guarapiranga.

A CDHU alega também estar agindo em parceria com a Prefeitura de São Paulo, e que a solução definitiva para os moradores do Jardim da União passaria pelas três instâncias governamentais: a construção seria viabilizada pelo programa Minha Casa Minha Vida – Entidades (federal), com aporte de recursos financeiros do programa Casa Paulista (estadual) e da Casa Paulistana (municipal). A CDHU reforça que o estudo técnico de um terreno alternativo será feito em parceria com o município e os próprios moradores da ocupação.

A prefeitura, por sua vez, acredita que as ocupações “prejudicam a política habitacional do município e não geram prioridade no atendimento habitacional definitivo”. A gestão Fernando Haddad (PT) garantiu ainda estar agindo, por meio da Secretaria Municipal de Habitação, em conjunto com a CDHU “para buscar uma solução de moradia definitiva para essas famílias”.

Enquanto persiste o impasse, os moradores se organizam. Toda quarta-feira o salão de assembleias fica lotado. A ocupação se formou de maneira independente, sem ligação com outras entidades de sem-teto, e os coordenadores são rotativos.

Jardim da União 600 famílias ocupam o Jardim da União (Foto: Andre Zuccolo)

É o caso de Mariano Pereira de Moraes, 44 anos, no terreno desde o começo. Já trabalhou na roça, e hoje cuida de uma bela horta na ocupação. Com um galo embaixo do braço e um pé de couve na outra mão, desabafa: “na roça eu trabalhava para patrão. Nóis aqui não quer ter patrão”.

O União tem biblioteca, agricultura, cooperativas de costura e reciclagem e um coletivo de educação, que conta com aulas de futebol, capoeira e espanhol. A creche Filhos da Luta foi construída em mutirão pelos moradores e inaugurada no Dia das Crianças, 12 de outubro de 2014. Colorida e cheia de brinquedos, a creche recebe crianças de todas as idades.

A tarefa de cuidar dos mais novos é dividida entre quatro voluntárias. É o caso de Aldenira Amarante, conhecida por sua simpatia, o que lhe rendeu o apelido de Sorriso. Chega à creche no segundo período, já que de manhã vai ao Curso de Educação de Jovens e Adultos (Eja), próximo a ocupação.

Sorriso é tímida e gosta de trabalhar com as crianças. Depois da experiência com a creche, pretende cursar Pedagogia. Enquanto conta sobre suas experiências, as crianças ficam em volta dela: puxam seus cabelos e sobem em seu colo.

A organização local é tamanha que o Jardim da União está à frente de bairros vizinhos, não há lixo pelas ruas. Maria Aparecida é mais conhecida na ocupação como Cida, a “manda chuva” da reciclagem. “Se não fosse a gente aqui da reciclagem, ia estar cheio de lixo”, brinca.

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