Sociedade

Greenpeace envia carta aberta a Dilma contra lei anti-terrorismo

Temos acompanhado com preocupação a tramitação de projetos de lei no Congresso Nacional que restringem os direitos democráticos brasileiros, disse o diretor-executivo da ONG

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Uma semana após a publicação da reportagem do jornal britânico Guardian sobre a lei-antiterrorismo no Brasil, que repercutiu na comunidade internacional, o diretor-executivo da ONG Greenpeace Internacional, Kumi Naidoo, enviou uma carta aberta à presidenta Dilma Rousseff com um pedido para que ela “refute e lute contra qualquer tentativa de silenciar as vozes de mudança vindas das ruas”.

“Temos acompanhado com preocupação a tramitação de projetos de lei no Congresso Nacional que restringem os direitos democráticos brasileiros. De fato, esses projetos de lei parecem servir apenas ao propósito de enfraquecer a intensidade dos protestos populares às vésperas da Copa do Mundo”, escreveu o diretor.

“Receba e acolha os protestos no Brasil como uma oportunidade para construir uma sociedade mais justa, diversa e livre, e olhe para os manifestantes como aqueles que estão dispostos a ajudar o governo a construir esse novo caminho.”

Leia abaixo a íntegra da carta:

 

Exma. Sra. Presidenta,

A luta pela democracia marcou a história do Brasil profundamente. Por mais de 20 anos, brasileiros e brasileiras viveram sob a sombra da ditadura, um regime repressor que encolheu direitos democráticos fundamentais – como o direito à organização, ao protesto e à liberdade de expressão. Apesar das forças estatais terem sido fortemente usadas para silenciar os que eram contra o regime, isso não impediu que as pessoas lutassem por seus direitos – pessoas como a senhora, Presidenta. Eu fiz o mesmo na África do Sul lutando contra o apartheid e leis antidemocráticas.

Muitas coisas mudaram de lá pra cá e o Brasil agora é uma democracia. Mas depois de minha recente viagem ao país, gostaria de alertá-la para algumas coisas que estão acontecendo e que me preocupam, porque colocam a democracia brasileira em risco e ameaçam enfraquecer direitos fundamentais de todos os cidadãos.

Assim como vi em muitos lugares ao redor do mundo, as pessoas estão revoltadas com o aumento da corrupção e da impunidade, e com a falta de ação sobre problemas sociais e ambientais. Conflitos no campo vêm sendo agravados por ataques constantes aos direitos indígenas e aos movimentos de pequenos agricultores em nome de poderosos interesses econômicos. Além disso, o fato de que muitas pessoas em todo o mundo ainda vivem em pobreza extrema e sem acesso a serviços básicos – como transporte, saneamento, saúde e educação – só agrava a sensação de que as pessoas não são devidamente representadas pelas instituições oficiais.

Essas são as forças por trás dos protestos que estão acontecendo em todo o planeta – Egito, Grécia, Turquia e também no Brasil – e que são parte fundamental de qualquer sociedade verdadeiramente democrática. Quando as pessoas se reúnem para dizer a seus governos que elas querem que eles ajam e mudem, os governos não deveriam se sentir ameaçados. Pelo contrário, eles deveriam permitir que as vozes da mudança fossem ouvidas e respeitadas.

Mas o que vemos pelo mundo são governos usando mais e mais formas de repressão para silenciar protestos pacíficos. Infelizmente, isso pode ser visto em muitas ruas do Brasil hoje em dia – levando a mais protestos e criando um certo grau de violência durante as manifestações.

Eu compreendo a revolta legítima que as pessoas sentem a respeito da repressão policial e do abuso de poder. Também estou ciente que muitos governos sob pressão tentam desmobilizar protestos pacíficos autênticos pelo uso da força. Já vi isso acontecer em muitos lugares como uma tentativa de fazer com que nossas causas pareçam ilegítimas quando o problema real é que os governos não sabem como lidar com manifestações de massa.

Diversas organizações de direitos humanos trabalhando no Brasil – incluindo Anistia Internacional, Conectas e Artigo 19 – demonstraram grande preocupação com a escalada de violência nas ruas e como isso tem sido usado para criminalizar movimentos sociais. Temos acompanhado com preocupação a tramitação de projetos de lei no Congresso Nacional que restringem os direitos democráticos brasileiros. De fato, esses projetos de lei parecem servir apenas ao propósito de enfraquecer a intensidade dos protestos populares às vésperas da Copa do Mundo.

Devo dizer, Sra. Presidenta, que a violência não nos ajuda. Em tempos como este, não temos escolha a não ser agir ainda mais pacificamente, ser mais confrontativos e defender nossa democracia e todos os valores que nos são caros: o direito ao protesto, o direito à livre associação e organização, a liberdade de expressão.

Por isso eu peço, Sra. Presidenta: receba e acolha os protestos no Brasil como uma oportunidade para construir uma sociedade mais justa, diversa e livre, e olhe para os manifestantes como aqueles que estão dispostos a ajudar o governo a construir esse novo caminho. Refute e lute contra qualquer tentativa de silenciar as vozes de mudança vindas das ruas – pelo contrário, faça tudo o que estiver a seu alcance para garantir um ambiente democrático que permita participação pública ampla nas decisões políticas do Brasil.


Com respeito e amor.

Kumi Naidoo

Diretor Executivo

Greenpeace Internacional

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