‘Gravidez com risco de morte é tortura’

Para militante, o STF deve mostrar que o Brasil quer ser um País 'guiado pela sua Constituição e não por preceitos religiosos'

Ação sobre possibilidade de mulher interromper gravidez em casos de fetos anencéfalos é julgado pelo STF

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Por Beatriz Mendes e Marcelo Pellegrini

 

Os ministros do Supremo Tribunal Federal começam a julgar nesta quarta-feira 11 a ação que pede a descriminalização do aborto em casos de anencefalia – uma malformação cerebral que ocorre ainda no primeiro mês de gravidez, comprometendo o desenvolvimento do encéfalo e do crânio. Em 75% dos casos o feto morre durante a gestação.

O ministro Carlos Ayres Britto afirmou, na véspera, que o julgamento seria um divisor de águas para o debate.

Maria José Rosado, presidenta da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, prefere classificar a decisão como um “caso de respeito à cidadania” – e que, diferentemente do que dizem os religiosos pelo País, não abrirá caminho para a legalização total do aborto.


“A aprovação dessa lei é uma questão ética e moral, fundamental para a defesa da vida das mulheres. É uma tortura manter uma gravidez cujo resultado será a morte”, argumenta.

Ela diz que a provável aprovação do projeto “vai mostrar o quanto o Brasil quer ser um País guiado pela sua Constituição e não por preceitos religiosos. É um caso de manutenção do Estado laico”, diz.

 

Maria José afirma que a lei não obrigará as mulheres a interromper a gestação quando a anencefalia for comprovada. “Se uma pessoa achar que essa antecipação do parto é uma atitude que vai de encontro com sua orientação moral ou religiosa, ela pode manter a gravidez. Por isso o projeto prevê a isonomia de direitos”.

Segundo ela, a lei ainda visa justiça social, uma vez que a elite tem a possibilidade de recorrer a tratamentos em clínicas especializadas, onde se realizam procedimentos com todas as condições técnicas, de saúde e higiene. Já as mulheres de classes mais baixas precisam recorrer a tratamentos clandestinos, que podem levá-las à morte. “Como a maioria das mulheres pobres é negra, o projeto além de tudo é uma questão de justiça racial”.

Outro lado

Assim como Maria Rosado, setores religiosos também defendem que o debate em torno da descriminalização do aborto de anencéfalos é uma questão moral e ética. Mas o argumento é usado para defender outro ponto de vista.

Para o Padre Rafael Fornazie, assessor da Comissão para a Vida e Família da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o tema diz respeito ao direito à vida e independe da baixa expectativa de vida dos bebês nascidos com esta má formação.

“Qualquer vida merece ser vivida nem que seja por um ano só”, diz. “Uma criança pode desenvolver câncer e ter uma expectativa de vida de três anos. Por conta disso, vamos optar por matá-la para evitar o sofrimento da mãe, da família?”, indaga Fornazie.

Segundo o padre, uma decisão favorável à descriminalização poderia abrir precedentes para a descriminalização de outros tipos de aborto.

“As propostas do grupo de juristas ligados ao Senado para sugerir reformas no sistema penal começam com o aborto de anencéfalos e depois se estendem sobre o aborto de qualquer criança sobre a qual se julgaria que a vida seria inviável”, afirma.

“Isso é uma mentalidade de descarte. Pensam que se a criança tem uma má formação é melhor tirar”, conclui.


Em carta pública, a CNBB argumenta que os fetos anencéfalos “erroneamente, têm sido interpretados como não possuindo todo o encéfalo, situação que seria totalmente incompatível com a vida, até mesmo pela incapacidade de respirar. Tais circunstâncias, todavia, não diminuem a dignidade da vida humana em gestação.”

 

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