Sociedade

Grande irmão

Reescrever a história à luz de critérios de hoje é um passo perigoso em direção ao totalitarismo

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Reescrever a história à luz de critérios de hoje não é apenas rematada estupidez, mas um passo perigoso em direção ao totalitarismo, que tem uma das marcas mais infamantes no pensamento único. Digo isso para convidar todos à leitura – muitos, sem dúvida, à releitura – de um livro seminal do século passado, intitulado 1984, de George Orwell.

Li o livro já lá se vão mais de 35 anos e ele me impressionou, pelo cenário que desenhava para o ano mencionado no título. Partindo-se do fato de que havia sido escrito em 1948, depois do rompimento do autor com o movimento comunista, que o levara, inclusive, a combater junto às forças republicanas na Guerra Civil da Espanha, era uma profecia que, mais de três décadas atrás, começava a se materializar. Isso me impressionou, como disse.

Acabo de reler o livro e, agora, estou assustado. A sociedade tão habilmente descrita por Orwell aparece cada vez mais real diante de meus olhos. Na verdade, há um paradoxo. Aparentemente, jamais, aqui, desfrutamos de tanta liberdade, com acesso quase ilimitado à informação de todos os níveis de qualidade, com o direito de escolher os ladrões que desejemos para nos governar.

No entanto, sente-se, a cada passo nas ruas, a cada operação comercial ou bancária, a cada gesto ou atitude, a presença do Leviatã, o Estado opressor, o Grande Irmão (não aquela bobagem da TV para QIs baixos), que tudo vê, tudo controla, tudo determina. Em cada lugar onde se passa, em cada elevador que nos transporta, em cada edifício comercial ou residencial em que entramos vemos aquele olho da câmara observando – e gravando – tudo. É bom, sob certos aspectos? Talvez. Sem querer ser alarmista, mas sendo, pense em que, amanhã ou depois, esse mesmo olho pode estar em sua sala ou em seu quarto de dormir. E o pretexto será sempre o mesmo: é para lhe proteger.

Leio no jornal que os médicos cariocas irão à Justiça contra câmeras dentro das salas de emergências. Eles não dizem que não querem ser monitorados, ou, na verdade, serem fiscalizados se trabalham mesmo, na hora do atendimento. Preferem alegar que muitos pacientes têm que ficar nus e suas privacidades estariam sendo invadidas. Ora, eu, simples turista, passando em uma escala pelos Estados Unidos neste mês, atravessei por aquela máquina que me mostrou nu às autoridades americanas, mesmo sem eu tirar as roupas – aliás, eu e todos os meus parceiros de viagem.

Tudo em nome de minha segurança. Ou, a nossa segurança.

Celulares fotografam e transmitem tudo instantaneamente; microfones altamemente sensíveis, capazes de registrar respirações, que antes faziam parte do mundo da espionagem, hoje frequentam o dia a dia de nossas vidas. Satélites monitoram nossos passos. O Estado – e aí falo de todas as suas instâncias – cada vez mais nos tutela: determina o remédio que podemos comprar, com quanto dinheiro podemos viajar, o que nos faz bem e o que nos faz mal, que não podemos/devemos ler certos livros e uma infinidade de outras determinações (ordens) que devemos cumprir. Hoje, recomendação, amanhã, ordem propriamente dada.

Há, sem dúvida, quem precise de orientação do Estado – jamais a totalidade dos cidadãos. E, quem acha que exagero, comece a refletir um pouco sobre o seu derredor, em vez de apenas contemplar o próprio umbigo.

Feita essa digressão, chego ao ponto que queria: a ação que corre no STF por gente/entidades que tentam reescrever ou banir, livros de Monteiro Lobato, por diferentes menções racistas que faz. São racistas, sem dúvida, na visão de hoje. E chocam sensibilidades atuais – embora não as da época em que foram escritas.


Mas, sob nenhum argumento, podem ser varridas da história, da mesma forma que não o podem os discursos e escritos de Hitler, Stalin e similares, e demais acontecimentos que povoam a passagem do homem pelo planeta. Os erros do passado precisam nos ensinar a não repetí-los; escondê-los ou rasurá-los, sem dúvida, vai nos fazer um mal ainda pior.

Se duvidam, (re)leiam George Orwell, embora não falte quem o ache um renegado, um traidor da causa socialista. Só não podem achar, sob pena de desonestidade intelectual, que ele era burro e que suas previsões estavam erradas.

Reescrever a história à luz de critérios de hoje não é apenas rematada estupidez, mas um passo perigoso em direção ao totalitarismo, que tem uma das marcas mais infamantes no pensamento único. Digo isso para convidar todos à leitura – muitos, sem dúvida, à releitura – de um livro seminal do século passado, intitulado 1984, de George Orwell.

Li o livro já lá se vão mais de 35 anos e ele me impressionou, pelo cenário que desenhava para o ano mencionado no título. Partindo-se do fato de que havia sido escrito em 1948, depois do rompimento do autor com o movimento comunista, que o levara, inclusive, a combater junto às forças republicanas na Guerra Civil da Espanha, era uma profecia que, mais de três décadas atrás, começava a se materializar. Isso me impressionou, como disse.

Acabo de reler o livro e, agora, estou assustado. A sociedade tão habilmente descrita por Orwell aparece cada vez mais real diante de meus olhos. Na verdade, há um paradoxo. Aparentemente, jamais, aqui, desfrutamos de tanta liberdade, com acesso quase ilimitado à informação de todos os níveis de qualidade, com o direito de escolher os ladrões que desejemos para nos governar.

No entanto, sente-se, a cada passo nas ruas, a cada operação comercial ou bancária, a cada gesto ou atitude, a presença do Leviatã, o Estado opressor, o Grande Irmão (não aquela bobagem da TV para QIs baixos), que tudo vê, tudo controla, tudo determina. Em cada lugar onde se passa, em cada elevador que nos transporta, em cada edifício comercial ou residencial em que entramos vemos aquele olho da câmara observando – e gravando – tudo. É bom, sob certos aspectos? Talvez. Sem querer ser alarmista, mas sendo, pense em que, amanhã ou depois, esse mesmo olho pode estar em sua sala ou em seu quarto de dormir. E o pretexto será sempre o mesmo: é para lhe proteger.

Leio no jornal que os médicos cariocas irão à Justiça contra câmeras dentro das salas de emergências. Eles não dizem que não querem ser monitorados, ou, na verdade, serem fiscalizados se trabalham mesmo, na hora do atendimento. Preferem alegar que muitos pacientes têm que ficar nus e suas privacidades estariam sendo invadidas. Ora, eu, simples turista, passando em uma escala pelos Estados Unidos neste mês, atravessei por aquela máquina que me mostrou nu às autoridades americanas, mesmo sem eu tirar as roupas – aliás, eu e todos os meus parceiros de viagem.

Tudo em nome de minha segurança. Ou, a nossa segurança.

Celulares fotografam e transmitem tudo instantaneamente; microfones altamemente sensíveis, capazes de registrar respirações, que antes faziam parte do mundo da espionagem, hoje frequentam o dia a dia de nossas vidas. Satélites monitoram nossos passos. O Estado – e aí falo de todas as suas instâncias – cada vez mais nos tutela: determina o remédio que podemos comprar, com quanto dinheiro podemos viajar, o que nos faz bem e o que nos faz mal, que não podemos/devemos ler certos livros e uma infinidade de outras determinações (ordens) que devemos cumprir. Hoje, recomendação, amanhã, ordem propriamente dada.

Há, sem dúvida, quem precise de orientação do Estado – jamais a totalidade dos cidadãos. E, quem acha que exagero, comece a refletir um pouco sobre o seu derredor, em vez de apenas contemplar o próprio umbigo.

Feita essa digressão, chego ao ponto que queria: a ação que corre no STF por gente/entidades que tentam reescrever ou banir, livros de Monteiro Lobato, por diferentes menções racistas que faz. São racistas, sem dúvida, na visão de hoje. E chocam sensibilidades atuais – embora não as da época em que foram escritas.


Mas, sob nenhum argumento, podem ser varridas da história, da mesma forma que não o podem os discursos e escritos de Hitler, Stalin e similares, e demais acontecimentos que povoam a passagem do homem pelo planeta. Os erros do passado precisam nos ensinar a não repetí-los; escondê-los ou rasurá-los, sem dúvida, vai nos fazer um mal ainda pior.

Se duvidam, (re)leiam George Orwell, embora não falte quem o ache um renegado, um traidor da causa socialista. Só não podem achar, sob pena de desonestidade intelectual, que ele era burro e que suas previsões estavam erradas.

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