Política

Governo Bolsonaro quer levar ossadas da vala de Perus para Brasília

O objetivo seria cortar custos. Ex-presidente de Comissão sobre Mortos e Desaparecidos vê riscos à continuidade da identificação dos mortos

Governo Bolsonaro quer levar ossadas da vala de Perus para Brasília
Governo Bolsonaro quer levar ossadas da vala de Perus para Brasília
Ossadas de Perus (Foto: Comissão Estadual da Verdade)
Apoie Siga-nos no

Meses depois de alterar abruptamente a comissão que investigava crimes da ditadura, o governo deve transferir a Brasília as mais de mil ossadas da vala de Perus, onde foram enterradas clandestinamente várias dessas vítimas.

Atualmente, o material está em laboratórios da Universidade Federal de São Paulo. Esses restos mortais seriam levados a um laboratório público da capital federal, mais barato.

Para a procuradora Eugênia Gonzaga, ex-presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, esse é mais um passo rumo à dissolução completa do projeto. “É um caminho quase sem volta levá-las a Brasília. E depois, como vai ser?”

Embora a relação com a Unifesp deixasse a desejar (“foi sempre burocratizada”), diz, a mudança é arriscada e inconveniente. “Nós não estamos falando de dez ou vinte ossadas, estamos falando de mais de mil e quarenta. E ali tá tudo pronto. Começar tudo de novo vai ser um novo custo, e agora estamos na reta final.”

A vala de Perus foi aberta nos anos 70, durante a gestão de Paulo Maluf em São Paulo. Foi descoberta só em 1990, quando a prefeitura de São Paulo encontrou 1.047 sacos plásticos repletos de restos mortais no cemitério municipal homônimo, planejado para abrigar indigentes.

O grupo que investiga o caso só começou em 2014, em meio aos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade. Peritos brasileiros e estrangeiros — entre legistas, dentistas, biólogos, antropólogos, biólogos e historiadores — trabalham na análise desses restos mortais. “O que falta agora é o trabalho de reassociação desses ossos, a parte mais pesada do DNA”, explica a procuradora.

Também foram enviadas amostras para análise na Europa, em parceria com o International Commission on Missing Persons.

A decisão, diz ela, levou em conta a questão logística. Os laboratório mais bem equipados do País, ligados às polícias, não teriam condições de lidar essa demanda.

A procuradora Eugenia Gonzaga, ex-presidente da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (Foto: Marcelo Chello/Zuma Wire/Fotoarena)

“Eles têm muito o que fazer para resolver os crimes do presente. Seria fazer o que sempre foi feito com essas ossadas, deixá-las para o tempo que sobra desses peritos. E isso não resolve, elas já estão exumadas há vinte e cinco anos aguardando o trabalho.”

O resultado levou, em 2018, à identificação de Dimas Casemiro e de Aluízio Palhano Pedreira Ferreira, mortos em 1971 por agentes do Dops e dados como desaparecidos até então.

Gonzaga e outros três colegas foram exonerados de supetão por Jair Bolsonaro no fim de julho. A canetada veio uma semana depois da emissão da certidão de óbito do pai do atual presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, atacado à época pelo ex-capitão. Nunca antes um chefe havia caído sem que o presidente pedisse uma indicação de substituto à Câmara.

Novo presidente da Comissão, o advogado Marco Vinicius Pereira de Carvalho é ex-assessor de Damares e filiado ao PSL (Reprodução/Facebook)

Além de vítimas do regime, acredita-se que também foram lançadas ali pessoas mortas em chacinas e por grupos de extermínio. Ela teme que esses restos mortais se percam em meio a essa mudança geográfica. Afinal, o cemitério é da cidade de São Paulo.

“Quanto mais distantes, mais longe a possibilidade de dar um tratamento digno [a estes restos mortais], enterrá-las em um mausoléu, que era o projeto de Perus”.

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo