Política

Genocídio? Drama humanitário dos yanomami pode reforçar denúncias contra Bolsonaro no TPI

A esperança de entidades e defensores dos povos originários é que a midiatização do caso favoreça a investigação e eventual punição dos responsáveis

Detalhe da pintura de rosto de um Yanomami. Foto: Marcos Corrêa/PR
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O decreto instaurando emergência de saúde pública em territórios yanomami em Roraima, seguido da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e vários ministros à região no último sábado (21) trouxeram à luz um drama humanitário que já vinha sendo denunciado há pelo menos três anos. Agora, além de uma força-tarefa para por um fim ao abandono dos indígenas, a esperança de entidades e defensores dos povos originários é que a midiatização do caso favoreça a investigação e eventual punição dos responsáveis.

As imagens da crise sanitária, que levou a 570 mortes de crianças em quatro anos por contaminação por mercúrio, desnutrição severa e doenças como malária e pneumonia, simbolizam o “tratamento desumano” que vinham sendo alvo os yanomami, como classificou Lula. O drama é resultado do cerco feito por garimpeiros ilegais e do desprezo do poder público durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusam entidades de proteção dos indígenas.

Essa situação foi denunciada pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns e o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos ao Tribunal Penal Internacional, em Haia (Holanda), em 2019. Desde então, a corte já acumula cinco denúncias por crimes internacionais contra o ex-presidente, incluindo o de genocídio – evidenciado pela política criada pelo antigo governo de destruir os povos indígenas do Brasil.

“Desde 2019, as organizações nacionais entendem que estava em construção e sendo implementada uma política anti-indígena, que tinha não só apoio nos discursos do ex-presidente Jair Bolsonaro, que imaginava uma nação brasileira sem estes povos, mas também nas suas práticas, ao desmontar as instituições de garantia de direitos dos povos indígenas e permitir invasões, garimpo e mineração ilegal”, disse a advogada Eloísa Machado, que auxilia a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Denúncias ganham peso

“A consequência dessa política anti-indígena é a contaminação por mercúrio de crianças, a morte e o adoecimento de muitos povos. Hoje, esse projeto genocida, que foi construído com intenção, com discursos, com normas e instituições, começa a ser revelado publicamente”, assinala a advogada ligada à Apib.

A defensora acredita que, agora que o ex-presidente não controla mais a máquina pública, novas provas poderão fortalecer as denúncias em curso, ainda sem prazo para serem avaliadas. O TPI analisa a pertinência da abertura de um inquérito e a competência da própria corte para, eventualmente, julgar Bolsonaro.

“É possível agora sair do que a ministra [dos Povos Indígenas] Sônia Guajajara chamou de apagão de dados em relação aos povos indígenas e ter conhecimento da extensão dos danos causados a eles durante esses últimos quatro anos. Certamente essas informações, produzidas agora por órgãos públicos, serão muito importantes para a avaliação do Tribunal Penal Internacional e para convencer a procuradoria a levar esse caso adiante”, avalia Machado.

Visita de Lula à Casa de Saúde Indígena Yanomami em Boa Vista, Roraima, deu visibilidade à crise sanitária enfrentada nos últimos anos pelos indígenas.
Créditos: RICARDO STUCKERT / AFP

Terras yanomami sob pressão

Também na Justiça brasileira, o ex-presidente poderá ter de responder. A primeira condenação por genocídio no país ocorreu justamente devido ao assassinato de 12 yanomami por garimpeiros, em 1996, no que ficou conhecido como o massacre de Haximu.

A advogada do Instituto Socioambiental (ISA) Juliana de Paula Batista, especialista em demarcação de terras indígenas, ressalta que, desde que os 9,6 milhões de hectares yanomami foram assegurados por lei, há quase 30 anos, eles são cobiçados pelo garimpo ilegal. Mas ao prometer legalizar a atividade e demonstrar menosprezo pelos indígenas, Bolsonaro estimulou o cerco a essas terras. Para ela, o governo anterior tomou a decisão “deliberada” de não proteger os indígenas.

“Isso vem sido reiteradamente informado para as autoridades brasileiras, tanto no nível dos poderes legislativo e executivo, como no âmbito do judiciário, inclusive com decisões da justiça de Roraima e do Supremo Tribunal Federal para que a União tomasse providências para salvaguardar a vida, a saúde e a integridade dos yanomami, seu dever constitucional. Mas o governo vem ignorando solenemente essas decisões ou dando respostas insuficientes, como quando falaram que fizeram uma operação com apenas sete agentes da Polícia Federal em uma terra que tem 20 mil invasores”, salienta a especialista.

Em dezembro passado, reportagem da Agência Pública denunciou que as crianças yanomami morreram 13 vezes mais de causas evitáveis do que a média nacional, nos anos de 2019 e 2020, os últimos em que havia dados oficiais disponíveis. A situação dos yanomami, donos das maiores terras indígenas do país, estão agora sob os holofotes, mas outros povos brasileiros, como os munduruku, os guarani kaiowá e povos isolados e de recente contato também sofrem impactos do aumento das invasões nos últimos anos. Todos esses casos vêm sendo reportados às autoridades competentes.

“Tudo isso mostra que existe, sim, uma responsabilidade muito grande não só do presidente, como dos agentes públicos que estavam à frente do ministério da defesa, do Meio Ambiente, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, do vice-presidente da República, que comandava as forças direcionadas para a Amazônia”, relata Batista. “Houve uma reunião da Hutukara Associação Yanomami com o general Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional) em 2020, na qual toda essa situação foi reportada e o general não levou a situação com a seriedade que deveria. Então a gente tem uma responsabilidade de todos esses agentes públicos muito bem configurada. Todos eles deixaram de agir quando deveriam e eles não podem alegar que não sabiam”, sublinha a advogada do ISA.

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