Sociedade

Funcionários de UTI referência em atendimento a prematuros temem terceirização

Terceirização do pronto-socorro neste ano acende alerta na UTI Neonatal do Hospital do Servidor Público Estadual

Recém nascido no Hospital do Servidor Estadual de São Paulo. Foto: Reprodução/Facebook
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Um sinal de alerta começou a piscar entre mães e funcionários do setor de Neonatologia e Obstetrícia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPE) no final de setembro. O motivo: a terceirização do setor de pronto-socorro neste ano. O que antes não passava de boato foi colocado em prática e gerou a realocação de funcionários já contratados – aumentando o receio também de quem trabalha e é atendido na UTI.

“Nesses casos não tem nenhum aviso prévio da superintendência. É do dia para a noite: fazem licitação para algumas empresas, o serviço é terceirizado e os funcionários do local são realocados em outras unidades”, conta Ana Cristina Manente, presidente da Associação de Funcionários do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (AFIAMSPE) mencionando o caso do pronto-socorro.

O hospital é o maior da rede Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (IAMSPE), atendendo inclusive familiares de servidores. Além do HSPE, disponibiliza atendimento em consultórios e clínicas particulares para mais de 1 milhão de pacientes. 

A UTI Neonatal, envolvendo várias especialidades, oferece um complexo atendimento criado para suporte de gestantes com gravidez de risco e prematuros. Com ambulatório, setor de tratamento intensivo, atendimento pediátrico e cirúrgico aprimorado, mães e bebês que precisam de maiores cuidados têm todo o atendimento na mesma unidade

Em um eventual processo de terceirização, a UTI poderia ser realocada para outro hospital, afetando os setores interligados como o Centro Obstétrico e o Banco de Leite, que já funciona há 26 anos (hoje o setor conta com médicos especialistas em neonatologia, nutricionistas, fisioterapeutas e equipe de enfermagem). 

*Carla, que trabalha há 18 anos no setor administrativo do hospital, afirma que essas medidas sempre ficam na incerteza, já que não há nenhum parecer oficial dado aos funcionários: “A terceirização sempre foi comentada no hospital, mas era o boato que nunca acontecia. De uns tempos pra cá esses boatos deixaram de ser boatos e começaram a ser colocados em prática”.

Sendo servidora pública, ela e a família utilizam o serviço do hospital. Carla diz que essas mudanças precarizaram o atendimento. “Ficamos preocupados com a quantidade de trabalho já feito que pode ser perdido, a desvalorização”, pontua. “E, assim, eu não sou só funcionária, eu sou paciente, eu uso e pago o hospital. E não estão preocupados com a qualidade do serviço prestado”.  

Com receio de que essa estrutura seja abalada, e na falta de respostas oficiais da instituição sobre a situação da UTI, funcionários e mães atendidos pelo hospital criaram uma petição contra uma eventual terceirização. O documento já possui mais de 5.647 assinaturas. As mães que tiveram seus filhos na instituição também montaram um grupo no facebook relatando a importância do trabalho do setor.

Confira o vídeo:

Muita demanda, pouco funcionário

Procurado, o IAMSPE afirmou em nota que não há medida de fechamento ou terceirização. Segundo o instituto, o problema atual na UTI decorre de pedidos de demissão e que “a unidade iniciou imediato processo para reposição do quadro de especialistas”.

Mesmo com o início do processo para recolocação de profissionais da área, os dados do Portal de Concursos do Estado de São Paulo mostram queda geral de concursos abertos pelo instituto ao longo dos anos.

Em 2018, foram dois, totalizando 127 vagas em diversos setores. Já em 2019 e 2020, apenas dois – sendo que, no ano passado, foram apenas 2 vagas publicadas e as mesmas não foram preenchidas até agora. Mesmo com as inscrições fechadas até setembro de 2019, os inscritos que foram aprovados nos testes e pré-requisitos exigidos podem ser chamados até outubro de 2021.  

“Sem abrir o concurso, os profissionais vão envelhecendo, uma hora ele aposenta, acaba saindo e segue sem a alteração desse quadro de funcionários”, explica Manente. Além disso, a associação reforça a falta de reajustes salariais, que pesa nos pedidos de demissão.

O piso salarial dos médicos deste ano, de acordo com a Federação Nacional dos Médicos (FENAM) é de R$ 15.274,34 para cada 20 horas semanais trabalhadas. No último concurso aberto em julho deste ano pelo IAMSPE, contudo, o salário para a mesma carga horária é equivalente a menos da metade do piso. São R$4.476,37 para vagas de médico categoria I e com pedido de especialização, como neurologia infantil e gastrocirurgia.

*Alessandra trabalha desde 2007 no Hospital do Servidor e, atualmente, no setor neonatal. Ela conta que nesses 13 anos já viu outras terceirizações e acompanhou o clima de tensão, recente com “essa do pronto-socorro”. “Nós do neonatal estamos tendo a chance de pressionar com a petição, e também é ano eleitoral”, diz. “Aqui nós atendemos mães mais velhas, muitas com gravidez de risco, então elas precisam deste espaço. A nossa maior recompensa é ver o bebezinho com 26 semanas e 400g que você até pensa, será que vai sobreviver? E de repente você encontra a criança falando super bem”. 

Rafael de 4 anos e Felipe com 23 dias, ambos nascidos no HSPE

Keli Emiko, 40 anos é uma dessas mães que recebeu o suporte da equipe neonatal. Ela teve duas gestações de risco por ter sopro no coração e útero bicorno. A má formação no útero pode ou não causar nascimento prematuro e aborto espontâneo. Rafael, hoje com 4 anos, e Felipe, com 23 dias, nasceram no HSPE. 

“Eu tive todo o acompanhamento necessário, os cuidados por conta do sopro, da idade… isso nos levou a optar duas vezes pela cesárea. Agora, com a reforma, ficou ainda melhor e eles dão os itens básicos: fraldas, álcool 70 p/umbigo, gaze e absorvente pós parto. Inclui refeição para os acompanhantes”, conta.

Camila Pereira Lopes, 30 anos, professora de história do Estado teve seus dois filhos no Hospital do Servidor: Eduardo, de 4 anos, e Caio, de 5 meses: “Lá existe muito respeito com a escolha de parto da mãe, por exemplo. Seja qual for a decisão da mulher, que em relatos de outras colegas em hospitais até mesmo particulares, isso não é respeitado”. 

Por outro lado, a queda de funcionários foi sentida. “Uma coisa que observei nessa minha segunda gestação é que tem muito mais gestantes e poucos médicos. Nas minhas consultas percebi ela [a médica] muito mais rápida do que na primeira vez.. muito atenciosa, mas correndo muito para dar conta de tudo”. 

Rede de atendimento 

O IAMSPE explicou em nota que além da permanência da UTI, há melhorias: “Os usuários dispõem de rede credenciada que está sendo ampliada para garantir que as gestantes continuem contando com atendimento de qualidade”. 

No entanto, os últimos relatórios publicados no site do instituto mostram que 127 hospitais e centros das redes credenciadas deixaram de atender o convênio IAMSPE de 2017 para 2018, ainda que, com a aprovação do PL 529, a contribuição do servidor tenha aumentado para até 3%, conforme a idade.  

*os nomes foram alterados para preservar a identidade das fontes

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