Sociedade

As fraudes trabalhistas nos 30 anos da Constituição

Informalidade não é fruto apenas da crise econômica: tem enorme impulso de normas legais que criaram instrumentos para mascarar relações de emprego

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A Constituição Federal de 1988 garantiu proteção à relação de emprego, mas quando se completam 30 anos de sua vigência, pesquisas apontam que, pela primeira vez, o número de empregados foi superado pelo número de trabalhadores informais e que trabalham por conta própria, na contramão do direito assegurado.

Esse avanço da informalidade não é fruto apenas da crise econômica enfrentada pelo País, como poderia parecer e muitas vezes é sugerido, mas em verdade recebe enorme impulso de normas legais editadas no período, criando instrumentos para a fraude e o mascaramento das relações de emprego.

No início da década de 90, por exemplo, houve proliferação de cooperativas fraudulentas que camuflavam vínculos de emprego sob a roupagem de trabalho autônomo, retirando dos trabalhadores direitos básicos como férias, 13º salário, vale transporte, FGTS, entre outros.

Ao invés de criar instrumentos para combater a fraude, o legislador inseriu o parágrafo único no art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho dispondo que “não existe vínculo empregatício entre os cooperados e os tomadores de serviços da cooperativa”.

Foi a senha para a multiplicação das falsas cooperativas de trabalho, prejudicando milhões de trabalhadores e exigindo uma vigorosa atuação do Ministério Público do Trabalho para levantar o véu da simulação e garantir os direitos sociais, resultando em significativa redução no número de entidades fraudulentas. Somente em 2012 foi editada a Lei 12.690, regulamentando a matéria em termos mais razoáveis, mas sem reparar os prejuízos causados aos milhões de atingidos pelas fraudes.

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E a “pejotização”? Conceitualmente ela é uma fraude. A transformação artificial de um empregado em pessoa jurídica, que suprime todos os direitos trabalhistas. Não foram poucas as normas editadas para favorecer a sua adoção, criando zonas cinzentas e oferecendo suporte para a prática fraudulenta, como o art. 129 da Lei 11.196/2005, que impulsionou a “pejotização” em áreas como tecnologia da informação, publicidade e comunicação. O MPT vem combatendo-a em vários setores, como no de saúde, onde hospitais que mantinham todos os médicos como pessoa jurídica foram acionados judicialmente.

A terceirização ocupa posição central nesse quadro. Surgiu com base no argumento de que, focando nas atividades fim e repassando para terceiros as atividades sobre as quais não têm know how, as empresas otimizariam sua produção. No entanto, esse discurso da especialização logo foi abandonado, pois as empresas começaram a contratar mão de obra por meio de terceiros para suas atividades essenciais e continuaram comandando os trabalhos dos “terceirizados”.

O MPT tem atuado para demonstrar a fraude nesses casos, como ocorreu com uma grande distribuidora de energia elétrica que contratava 85% dos eletricistas através de terceiros, embora mantivesse controle e direção dos seus trabalhos. Mas não demora e vem a Lei nº 13.467/2017 permitindo a terceirização de atividade-fim, o que certamente acarretará na ampliação do número de trabalhadores prejudicados pela precarização.

Além disso, a terceirização de atividade-fim tende a derivar para a intermediação de mão de obra, prática que continua sendo ilícita e condenada inclusive em tratados de que o Brasil é signatário.

Podemos falar, ainda, da criação da figura do trabalhador “autônomo” que labora com exclusividade e continuidade para outrem – em situação de dependência, portanto; da criação do trabalhador “parceiro” do salão de beleza (cabelereiro, manicure, etc); da criação da figura do corretor de imóveis “associado” à imobiliária e outras.

Assim, o que a história desses 30 anos da Constituição da República revela é que há um movimento legislativo no sentido de esvaziar a relação de emprego e criar instrumentos para viabilizar contratos sem proteção, proporcionando o aumento da informalidade verificado nas pesquisas. Portanto, trabalhadores e todo o sistema de proteção trabalhista precisam ser incansáveis na luta por garantir a efetividade do texto constitucional.

 *são procuradores do Trabalho

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