Sociedade
Governo Lula suspende cessão, mas PM mantém cerco violento à Favela do Moinho
Agentes da PM ocuparam a entrada do território e impediram a saída e o retorno de moradores, manifestantes e imprensa


A Favela do Moinho, no centro da cidade de São Paulo, amanheceu nesta quarta-feira 14 sitiada — mais uma vez — por agentes da Polícia Militar, mesmo após o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos interromper a cessão do terreno ao governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos). No fim da tarde, a violência se intensificou. Agentes utilizam bombas de efeito moral e balas de borracha para afastar os ativistas.
A reportagem de CartaCapital testemunhou ostensivo efetivo policial, com mais de 8 viaturas no encontro entre a Alameda Eduardo Prado e a Avenida Rio Branco. Diversos agentes estavam sem câmeras corporais ou com os equipamentos desligados. Crianças atingidas pelo gás lacrimogêneo foram socorridas – uma criança com deficiência chegou a convulsionar após inalar o gás e precisou ser levada às pressas ao pronto-socorro.
“Eu sai para trabalhar era 6h10 da manhã, quando retornei, a gente já se deparou com as polícias com os escudos e tacando bomba. Se eu não tivesse abaixado, a bomba teria me acertado em vez do carro. Deixei minha outra filha trancada [dentro do Moinho], morrendo de medo e ligando o dia todo para saber se estava bem”, contou Maria Auxiliadora, moradora do Moinho há 16 anos.
“Eu já fiz meu acordo com o CDHU. Então eles que esperem a gente sair, que esperem assinarmos os papéis. Agora o que eles estão fazendo aqui, isso é terror. O que Tarcísio está fazendo no Moinho é puro terror”, desabafa.
Moradores relatam que policiais militares ocuparam o território ainda pela manhã, fechando vias que dão acesso à área, impedindo a entrada e a saída de moradores. Com a insistência dos residentes, os agentes liberaram apenas a saída mediante revista – incluindo mochilas de crianças e jovens. O acesso da imprensa ao território também foi limitado.
Em meio ao confronto, agentes da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, a CDHU, continuam o processo de demolição de moradias desocupadas. Na manhã desta quarta, o governador em exercício, Felício Ramuth (PSD), afirmou à CNN Brasil que a suspensão da cessão do terreno não altera o cronograma.
“A cessão do terreno da Favela do Moinho ao governo de São Paulo não tem nenhum vínculo com a oferta de moradia e dignidade aos moradores do Moinho”, alegou. “Continuaremos nossas ações focados na melhoria de vida destas pessoas. As transferências continuam, bem como a demolição dos imóveis vazios que foram construídos em desacordo com o código de obras do município.”
Também à CNN, sem fornecer detalhes, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) justificou a continuidade da desocupação do Moinho como um passo para interromper o tráfico de drogas que se concentra no território e alimentaria o fluxo da Cracolândia.
Questionada por CartaCapital, a CDHU se limitou a afirmar que propôs o reassentamento voluntário das famílias da Favela do Moinho, com a adesão de 90% dos moradores. “Até agora, 181 famílias já se mudaram do Moinho. As ações seguem em andamento normalmente. A discussão sobre a futura destinação do terreno poderá ocorrer paralelamente, sem prejuízo às medidas em curso.”
A reportagem questionou a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo sobre o impedimento do acesso de moradores e manifestantes à Favela do Moinho. Em nota, a pasta sustenta que a PM permanece no local para ‘garantir a segurança das equipes da CDHU e o direito de ir e vir da população’.
Entenda a disputa pela Favela do Moinho
Localizada sob o viaduto Engenheiro Orlando Murgel, entre as linhas 7-Rubi e 8-Diamante da CPTM, nos limites dos bairros de Campos Elíseos e Bom Retiro, a Favela do Moinho abrigava pouco mais de 800 famílias. Trata-se da última comunidade no centro da capital paulista.
A área da favela pertence ao governo federal, razão pela qual surgiu o diálogo em torno da cessão do terreno à gestão de de Tarcísio de Freitas, que deseja desocupar o local para transformá-lo em um parque. O projeto faz parte do plano do bolsonarista de mudar a sede do governo estadual do Palácio dos Bandeirantes, no Morumbi, para o Palácio dos Campos Elíseos, próximo à favela.
O governo de São Paulo iniciou em 22 de abril a remoção das 813 famílias alocadas no território. A justificativa é que a área precisa ser desocupada por razões de segurança, incluindo a circulação dos trens.
Para concluir a remoção, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação ofereceu “opções” aos moradores: Carta de Crédito Individual, Carta de Crédito Associativo, Apoio ao Crédito em parceria com os programas federais e Auxílio-Moradia Provisório de 800 reais, até que os conjuntos habitacionais estejam prontos — alguns estão previstos para o fim de 2027.
A associação que representa os moradores, porém, considera os valores insuficientes para pagar um aluguel no centro e argumenta que essas pessoas não têm condições de arcar com um financiamento de longo prazo, uma vez que muitas delas vivem do comércio local.
De acordo com a CDHU, 86% dos moradores aderiram. Muitos se dizem, porém, arrependidos: porque não querem se afastar do centro ou porque temem não conseguir honrar a dívida, a ser quitada ao longo de 30 anos. Outro ponto de contestação é o menor acesso a creches, oportunidades de trabalho e infraestrutura necessária para as famílias nas zonas em que as novas moradias foram 0ferecidas.
Após a repercussão negativa da truculência policial vista na terça-feira 13, o governo Lula (PT) anunciou que paralisará a cessão do terreno. Na ocasião, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, chefiado por Esther Dweck, criticou o modo como o governo Tarcísio conduz a desocupação da área.
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