Sociedade

Extinção do casamento civil, direitos e onda conservadora

Para termos um País mais civilizado, o Estado deveria se limitar a criar regras nas relações patrimoniais entre as pessoas, sem se intrometer nas relações afetivas

Reconhecer a união de pessoas do mesmo sexo é um avanço para uma sociedade mais civilizada
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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu, ja há algum tempo  a um dos parceiros de uma relação homossexual, o direito de pedir pensão alimentícia ao seu ex-companheiro, após o término da união que durou 15 anos. Para o ministro Luis Felipe Salomão, que conduziu o caso, a legislação que regula a união estável deve ser interpretada de forma extensiva e igualitária e ninguém pode ser privado de direitos, nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual.

Agora a Suprema Corte norte-americana, em decisão histórica, reconhece a legitimidade do casamento entre pessoas do mesmo gênero.

Não há dúvidas de que qualquer reconhecimento judicial ou legislativo que se faça em relação à união de pessoas do mesmo sexo representa um avanço para que alcancemos a condição de sociedade mais civilizada. A admissão de que casais homossexuais possam ser submetidos ao mesmo regime jurídico protetivo conferido aos casais heterossexuais – ou seja, normas de pensionamento, de sociedade entre os bens adquiridos na constância da relação, de proteção previdenciária, herança e divisão de bens, etc. – é o primeiro passo para garantir-lhes, de fato, esses direitos.

O avanço que a decisão do ministro apontou é ameaçado, no entanto, no caso brasileiro, pela retomada do debate em torno do Estatuto da Família, que volta à pauta no Congresso, em momento em que a bancada evangélica, que o defende com ímpeto, se vê fortalecida e encorajada pelo apoio do atual presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Ao definir como entidade familiar o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, o projeto pretende institucionalizar o modelo de família de seus adeptos, invalidando e excluindo os demais. Tal proposta vai no sentido contrário do que os paises de primeiro mundo têm decidido quanto ao tema, inclusive, agora, os EUA

Evidentemente, as tradições religiosas têm total legitimidade para participar do debate público e político, mas tal participação, em um ambiente democrático, pressupõe tolerância e convivência com o diferente, e não pode se dar ao ponto de que uma religião imponha às outras, e aos que não têm religião, os seus valores. Não se pode aceitar que, sob o pretexto de discutir as leis de proteção que o Estado deve conferir à família, defensores de determinada crença religiosa procurem estabelecer não propriamente normas protetivas da família, mas normas protetivas de um dado modelo de família que julgam ser ideal, oficializando a intolerância.

Ao garantir a liberdade de consciência e expressão, a Constituição não assegura apenas a liberdade de formar livremente e manifestar o pensamento, mas também os afetos, crenças e desejos. Em uma sociedade verdadeiramente democrática, de tolerância e convivência entre os diferentes, é preciso aceitar a conformação de arranjos familiares também diferentes, concebidos de acordo com os desejos, sentimentos, história de vida e crenças de cada um. A família puramente monogâmica e mononuclear tem que coexistir com a família plurinuclear de arranjos e modos de organização distintos.

Esse modelo familiar que a bancada evangélica pretende oficializar como único possível juridicamente não alcança a realidade do anseio humano. As pessoas amam e sentem desejo independentemente das regras impostas, e a formação e a expressão desses sentimentos não podem ser consideradas assunto passível de normatização. Um Estado democrático não deve querer regular os laços de afeto entre as pessoas, pois eles pertencem à esfera de liberdade de cada um. Cada um escolhe seus amores da forma que bem lhe aproveite.

O verdadeiro avanço civilizatório, inclusive, não seria o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas a própria extinção do casamento civil. O Estado deveria se limitar a criar regras nas relações patrimoniais entre as pessoas, sem interferir nas opções amorosas ou sexuais de cada um, ou seja, na forma como seres adultos estabelecem suas relações afetivas, que são de domínio eminentemente privado. A extinção da figura do casamento civil é o verdadeiro debate para se atingir uma forma de convivência social mais civilizada e para se preservar a verdadeira liberdade individual de opção afetiva e erótica.

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