Sociedade

Execuções sumárias e abusos: o que dizem moradores sobre a violência da PM na Baixada Santista

Denúncias de abusos e mortes levantam questionamentos sobre a conduta policial na região; operações já deixaram ao menos 43 mortos

Foto: Reprodução/Redes Sociais
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Relatos de moradores coletados pela Ouvidoria de Polícia de São Paulo e organizações da sociedade civil apontam para pelo menos oito execuções sumárias, casos de tortura, abordagens violentas e invasões de domicílio  durante a nova fase da Operação Escudo na Baixada Santista

A ação começou em 28 de julho de 2023 e foi finalizada, temporariamente, em 5 de setembro do ano passado, deixando 28 mortos.No entanto, após a morte de um policial da Rota, a operação foi retomada no início deste ano e rebatizada de Operação Verão, que já matou 43 pessoas no litoral paulista.

De acordo com o relatório ao qual CartaCapital teve acesso, duas das vítimas mortas pela polícia eram pessoas com deficiência. Uma delas precisava de muletas para se locomover. A outra era cega de um olho e tinha apenas 20% da visão no outro. As famílias ouvidas pela comitiva argumentam, devido a estas condições, ser improvável a versão de legítima defesa dos policiais.

No caso de Hildebrando Neto, de 24 anos, que era cego de um olho e possuía apenas 20% de visão no outro, a polícia alegou legítima defesa e afirmou ter invadido a casa devido a uma denúncia de tráfico de drogas no local. Davi Gonçalves, amigo de Hildebrando, também foi morto sob a mesma justificativa.

A mãe de Hildebrando teve que fornecer documentos comprovando a cegueira do filho desde 2016. Segundo o relatório, isso significa que a vítima já tinha oito anos de deficiência visual, sendo capaz de enxergar apenas a poucos centímetros de distância.

No mesmo mês, o catador de latinhas, José Marques Nunes da Silva, 45 anos, foi morto a tiros por policiais militares no barraco onde morava, em São Vicente. 

Familiares e vizinhos relataram ter ouvido gritos de Silva implorando por socorro antes de ser alvejado. A polícia argumenta que deu ordem de parada ao homem, que teria fugido e disparado contra os policiais. Já a família e vizinhos dizem que essas provas foram forjadas e sustentam que Silva não tinha arma de fogo nem envolvimento com o crime.

Outro registro envolve um motorista de aplicativo que testemunhou uma emboscada da polícia, resultando na morte de um passageiro identificado como suposto traficante. O carro foi parado por policiais da Rota, que ordenaram ao motorista que saísse do veículo, enquanto o passageiro permanecia dentro.

“Um dos policiais contornou o carro e atirou no passageiro. Após o incidente, o motorista relatou ter sido ameaçado pelos policiais para manter a versão dos fatos conforme eles descreveram”, descreve o relatório. Traumatizado, o homem parou de trabalhar como motorista.

O documento é resultado de uma visita organizada pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos e a Ouvidoria de Polícia de São Paulo no último 11 de fevereiro às comunidades alvos da ação da PM. Foram ouvidos familiares de vítimas, testemunhas, lideranças comunitárias e moradores de Santos, São Vicente e Cubatão.

O presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo (Condepe), Dimitri Sales, um dos signatários do documento, defende que a Operação Escudo seja freada imediatamente.

“São muitos os casos de agressões, de violência, o que contrasta com a versão apresentada pelo governo do estado de que essas pessoas haviam sido mortas em tiroteio, em reação a alguma ação policial. Não é verdade”, afirmou. “A Operação Escudo precisa ser extinta imediatamente.”

Assinado por 10 entidades, entre as quais o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e a Comissão Arns, o documento foi entregue ao procurador-geral de Justiça de São Paulo Mário Sarrubbo no final de fevereiro.

Na mesma semana, o Ministério Público de São Paulo divulgou que o número de mortes cometidas por policiais militares no estado cresceu 94% no primeiro bimestre deste ano em comparação com o mesmo período de 2023, reflexo da alta das mortes cometidas por PMs em serviço, que saltaram 129%. 

Diante disso, a Defensoria Pública de São Paulo, em conjunto com a Conectas Direitos Humanos e o Instituto Vladimir Herzog, pediu na tribuna do Conselho de Direitos Humanos da ONU o fim da operação policial na Baixada Santista e a obrigatoriedade do uso de câmeras corporais pelos policiais militares.

Em reação ao caso, durante uma coletiva de imprensa, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) elevou o tom e minimizou todas as denúncias, mostrando apoio à operação policial. 

“Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí (sic)”, disse o governador.

O Ministério Público e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, por sua vez, investigam alteração em locais de mortes nas operações da PM. A suspeita é de que as pessoas mortas nas operações estariam sendo levadas como vivas para hospitais, prejudicando a realização da perícia no local das mortes.

De acordo com os órgãos, se for confirmado, o ato pode ser enquadrado como crime de fraude processual. 

A Secretária de Segurança Pública de São Paulo também negou, em nota, violação de direitos na atuação dos agentes.

“É importante reforçar que os casos de Morte Decorrente de Intervenção Policial (MDIP) são consequência direta da reação violenta de criminosos à ação da polícia no combate ao crime organizado, que tem presença na Baixada Santista e já vitimou três policiais militares desde 26 de janeiro. A opção pelo confronto é do suspeito, colocando em risco a vida do policial e da população”, justificou a SSP.

Apesar da defesa na resposta das forças de segurança, pelo menos dois policiais militares que participaram da primeira fase da Operação Escudo respondem por homicídio duplamente qualificado.

No ano passado, o Ministério Público de São Paulo denunciou os agentes e a Justiça acatou a denúncia, tornando os PMs réus no processo.

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