Sociedade

“Campanha anti-Copa é movimento artificial”

Segundo o ministro do Esporte, não há nenhum setor representativo da sociedade contra a Copa do Mundo

Aldo durante audiência na Câmara. Para o ministro, imprensa faz campanha contra o mundial
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A Copa das Confederações movimentou 20,7 bilhões de reais na economia em 2013, com a geração de 303 mil postos de trabalho e a incorporação de 9,7 bilhões de reais ao PIB. O estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), encomendado pelo Ministério do Turismo e divulgado na segunda-feira 7, prevê um cenário ainda melhor para 2014: o retorno da Copa do Mundo promete ser três vezes maior.

O êxito do evento acabou, porém, ofuscado por outra pesquisa recente. Na prática, o governo federal mal teve tempo para celebrar. Acabou surpreendido, um dia depois, com um levantamento do Datafolha. Segundo o instituto, 55% da população acredita que o Mundial trará mais prejuízos que benefícios.

Apesar da percepção negativa da população em relação à Copa, o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, diz que o País está preparado para sediar o evento e realizar uma grande festa. Em entrevista a CartaCapital, Rabelo credita a desconfiança do povo à má vontade de setores da mídia em noticiar os benefícios do Mundial. “É um movimento artificial, pois não há nenhum partido político relevante contra a Copa. Aliás, nenhuma central sindical, nenhum segmento representativo”.

Confira, a seguir, os principais trechos da conversa.

CartaCapital: O governo apresentou diversas pesquisas que revelam o êxito econômico da Copa. Ao mesmo tempo, mais da metade da população vê mais prejuízos que benefícios no Mundial. Como o senhor interpreta o fenômeno?

Aldo Rebelo: A Copa do Mundo representa um êxito econômico inegável. A Fundação Getúlio Vargas projeta a criação de 3,6 milhões de empregos e um acréscimo de 0,4% ao ano no PIB até  2019. A percepção negativa da população em relação à Copa reflete uma campanha contra o governo encampada por setores da mídia. É a mesma agenda anti-Lula de anos atrás. Essa campanha da mídia contra um governo não é novidade na história do Brasil. João Goulart acabou deposto quando gozava de amplo apoio popular. Foi vítima de um movimento artificial criado por setores da mídia. Por isso, os dados não surpreendem. É um movimento artificial, porque não há nenhum partido político relevante contra a Copa. Aliás, nenhuma central sindical, nenhuma confissão religiosa, nenhum segmento representativo é contra. O que há é um importante e influente setor da mídia, que faz campanha aberta ou dissimulada contra as ações do governo. O expediente é sempre o mesmo: deturpa-se informações, falseia-se a realidade, como se a Copa fosse um caos e tudo estivesse atrasado.

CC: A Copa não está atrasada?

AR: É evidente que não está. Onze estádios já realizaram eventos-testes. Só falta a arena do Corinthians, mas essa semana mesmo o André Sanchez ligou para dizer que o estádio já está disponível para a entrega. As obras dos aeroportos estão todas em curso, das mais sofisticadas, como a de Brasília, com prazo de entrega de parte do projeto para o fim de abril e a outra para final de maio. As obras de mobilidade urbana que constam na Matriz de Responsabilidades também serão entregues. Os nossos problemas de mobilidade urbana, de segurança, de infraestrutura não se devem à Copa.  E tampouco um evento esportivo tem a atribuição de resolver todos eles. São problemas históricos.

CC: O estádio do Corinthians está pronto? Foi resolvido o impasse das arquibancadas removíveis?

AR: Isso foi resolvido há muito tempo, será pago pela iniciativa privada. No caso do Beira Rio, em Porto Alegre, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul deve aprovar uma espécie de lei de incentivo para resolver o impasse. Não há problema algum.

CC: Há data para a inauguração do estádio do Corinthians?

AR: Esta é uma arena privada, os gestores dela é que decidirão. Mas tenho segurança de que estará pronta para a abertura da Copa.

CC: O senhor fala em uma campanha da mídia contra a Copa, mas os parceiros do governo brasileiro parecem alimentá-la. Recentemente o secretário geral da Fifa, Jérôme Valcke, disse à revista Time que a Copa de 2014 poderia ser a pior dos últimos tempos. Como o senhor encara essas críticas?

AR: Geralmente são declarações seguidas de um desmentido, de um esclarecimento, que deixam o dito pelo não dito. É isso o que tem acontecido. Quando necessário, nós respondemos. Em outras ocasiões, consideramos o desmentido como posição definitiva.

CC: Em 2007, um levantamento técnico da Fifa estimava um valor de 2,7 bilhões de reais para a reforma e construção de novos estádios. No último balanço do governo, a conta estava em 8 bilhões, e pode ficar até mais cara. Por que encareceu tanto?

AR: Não basta olhar o valor total da obra, é preciso calcular o preço médio de cada assento do estádio.

CC: Segundo a consultoria BDO, o custo médio do assento nos estádios da Copa é de 12 mil reais. Não é um valor muito alto?

AR: Está abaixo da média mundial. Os estádios mais modernos do Japão, da Rússia, da Alemanha, da Inglaterra, todos eles tiveram um custo um superior. O custo não surpreende porque o Brasil, hoje, é um país muito caro. O preço do estádio tem de ser compatível com o custo de vida em São Paulo, no Rio de Janeiro, nas cidades-sede como um todo. Esse debate também não é novo. Reproduz outro que houve em 1949 e 1950, quando foi construído o Maracanã. E o Carlos Lacerda fez forte campanha contra. Para a Copa de 2014, o governo federal ofereceu empréstimos do BNDES no valor de até 400 milhões de reais, dentro das regras do mercado. O valor total financiado é irrisório perto do que representa a carteira de crédito do BNDES. Além disso, foram concedidas isenções tributárias de pequena monta para a aquisição de matéria prima e equipamentos dos estádios. Nada que se compare, por exemplo, aos 27 bilhões de reais de isenção tributária concedida à indústria automobilística.

CC: O total de isenções da Copa gira em torno de 650 milhões de reais, não é isso?

AR: Por aí. E fizeram todo aquele escarcéu contra. Sobre os 27 bilhões de reais em renúncias fiscais para o setor automobilístico não houve nenhuma passeata, nenhum protesto, nenhum editorial indignado. Não estou contestando a pertinência dessa isenção. Pode ser que haja uma nobreza na medida, a defesa do emprego, da competitividade da indústria. Mas, para os estádios, 4,8 bilhões de reais em empréstimos, mediante todas as garantias, tornam-se questão de vida ou morte. Esses estádios vão gerar renda. Não fosse assim, o Palmeiras não estaria construindo seu estádio.

CC: Ninguém duvida da viabilidade financeira de uma arena que tenha um grande clube atrelado. O problema são as arenas em estados com times pequenos, que disputam campeonatos sazonais e atraem pouca torcida, caso de Manaus, Natal, entre outros.

AR: Esse julgamento muitas vezes é feito por pessoas que não sabem nem localizar Manaus no mapa do Brasil. Sabem localizar Paris no mapa da Europa e Miami no dos Estados Unidos, mas ignoram Manaus, Natal, Cuiabá. O estádio de Natal é uma Parceria Público Privada (PPP). O espaço dentro da arena está sendo comercializado por um preço muito valorizado no Rio Grande do Norte. Todo mundo quer ter seu espaço. Uma boutique, uma academia, uma agência bancária… O estádio vai obter renda dessa concessão. Pernambuco já vendeu o direito de uso do nome do estádio a uma cervejaria por 10 milhões de reais ao ano. A mesma coisa o de Salvador. Não estamos falando de simples campos de futebol, como os construídos nos anos 1970 para a Copa do México. São arenas multiuso, são equipamentos para metrópoles em franco crescimento.

CC: Mas haverá receita suficiente para bancar a manutenção?

AR: Brasília multiplicou de 2 milhões para 16 milhões de passageiros a ocupação de seu aeroporto entre 2003 e 2013. Manaus é um destino turístico cobiçado internacionalmente. O estado do Amazonas tem 1,6 milhão de quilômetros quadrados, e 98% de cobertura florestal. Cuiabá é a capital do estado que corresponde por 60% do superávit da balança comercial do Brasil, com a exportação de soja e gado. Não pode abrigar quatro jogos da Seleção brasileira? Sinceramente, acho que há uma boa dose de ignorância ou preconceito nessas análises.

CC: Diversas obras de mobilidade urbana não devem ficar prontas a tempo da Copa. Isso compromete o evento?

AR: Vamos deixar claro um ponto: essas obras são do PAC. Estavam previstas para serem executadas independentemente de o Brasil sediar a Copa ou não. São obras para as metrópoles brasileiras. O metrô de Salvador, o BRT e o VLT de Fortaleza, o metrô de Recife, o VLT de Cuiabá. Todas estão em execução. Cuiabá é um canteiro de obras. Toda a infraestrutura do VLT está pronta. As vias estão abertas, sendo asfaltadas. Os viadutos já foram construídos. O pátio está pronto e recebeu parte dos vagões. Integrará uma região metropolitana que vai de Várzea Grande, onde fica o aeroporto Cândido Rondon, até o centro de Cuiabá. Vai ficar tudo pronto até a Copa? Não. Uma parte ficará pronta e a outra para um pouco depois do evento. Em Fortaleza também. As obras que não ficariam prontas até a Copa foram retiradas da Matriz de Responsabilidades, só permaneceram aquelas que ficarão prontas até a competição. As que não forem entregues, ficarão prontas um pouco depois. Nada foi descartado.

CC: E quanto aos aeroportos? Estão preparados?

AR: Tenho uma visão muito otimista. A demanda será muito menor do que a capacidade instalada. Aliás, nosso maior problema não é este, e sim a operação aeroportuária, que ficou defasada, não acompanhou a evolução tecnológica. Nos aeroportos mais modernos do mundo, o passageiro se desembaraça muito mais rapidamente. Retira o bilhete, despacha as bagagens, apresenta seu passaporte, num processo muito rápido e automatizado. Estamos começando a superar isso agora. Não estamos resolvendo esse problema só por causa da Copa. É uma necessidade da indústria do turismo, dos passageiros, do setor de logística. Há um processo de ampliação, de modernização e de melhora da gestão de quase todos aeroportos brasileiros.

CC: Há preocupação em relação a Belo Horizonte, por conta do atraso nas obras do aeroporto de Confins. O governo remanejou alguns voos da Copa para o aeroporto de Pampulha, apresentado como alternativa, mas este ficou inundado no início do mês após um temporal. Essa cena pode se repetir na Copa?

AR: O nosso controle sobre os humores da natureza ainda é muito pequeno.

CC: Sim, mas não podemos ficar reféns dos humores da natureza…

AR: Mas todo mundo fica. Aeroportos fecham por razões climáticas em toda parte do mundo.

CC: Uma coisa é a chuva impedir pousos e decolagens. Outra, bastante diferente, é o saguão do aeroporto ficar alagado…

AR: Mas também é uma exceção, não é a regra. Um problema que pode ser facilmente resolvido. Confins é um grande aeroporto. Há uma ou duas décadas, o chamavam de aeroporto fantasma, porque era baixa a sua utilização. Hoje, já é um aeroporto em processo de ampliação e modernização.

CC: Poucos acreditam que os protestos contra a Copa tenham a mesma dimensão daqueles realizados no ano passado. Mas há o temor de que, mesmo menores, possam ser bastante violentos.

AR: Desde a Noite das Garrafadas (distúrbio ocorrido no Rio de Janeiro em 1831, entre apoiadores e opositores do imperador Dom Pedro I) o Brasil convive com protestos violentos. Quem consultar as crônicas do período, saberá o que ocorreu naquela fatídica noite. Hoje, vivemos num país democrático. As manifestações pacíficas são protegidas por lei. E as violentas devem ser coibidas. Não precisamos de nada além da lei para tratar dessa questão.

CC: O senhor vê a necessidade de mobilizar o Exército?

AR: Não, a Polícia Militar é uma instituição preparadíssima.

CC: Há um projeto de lei em tramitação no Senado que tipifica o crime de terrorismo, e muita gente acredita que os manifestantes poderiam ser enquadrados no escopo dessa lei.

AR: Contra manifestantes pacíficos, não. Agora, contra alguém que assassina um jornalista ou ateia fogo num policial, como ocorreu no Rio de Janeiro… Isso não pode mais acontecer.

CC: Mas os responsáveis por esses crimes são homicidas ou terroristas?

AR: Não vou entrar nessa discussão porque nem a ONU chegou a um consenso sobre a conceituação de terrorismo. É um debate muito complicado, cheio de nuances políticas e ideológicas. Mas esse tipo de manifestação que aconteceu no Rio de Janeiro tem que ser banida da sociedade, aquilo é um atentado à ordem democrática do País, uma ameaça para toda a sociedade. Eu não chamo este projeto de “antiterrorismo”. Para mim, essa terminologia é estranha. Mas acho que o projeto tem que coibir os atos de vandalismo e os atentados a ordem democrática.

CC: O senhor acredita ser possível reverter a percepção negativa da população em relação à Copa?

AR: A Copa do Mundo mobiliza o planeta. As partidas finais do Mundial da Alemanha e da África do Sul foram vistas por mais de 3 bilhões de telespectadores, e isso vai se repetir aqui. O futebol, no Brasil, é muito mais do que um esporte. É a primeira plataforma de promoção social dos jovens pobres e negros. Um espaço democrático, que desperta a paixão do povo brasileiro. Por essa razão, eu acho que a Copa do Mundo será um grande momento de festa, para o País e para o mundo.

CC: Mesmo para quem sofre com as intervenções urbanas da Copa?

AR: Não há nenhuma intervenção urbana proporcionada pela Copa. Isso é uma farsa. É oportunismo do mais vergonhoso. Todas as intervenções urbanas estão no escopo das obras do PAC, para melhorar a mobilidade urbana. Não tem nada a ver com a Copa. Para o Mundial, só foram construídos os estádios, e não foi preciso desapropriar ninguém. As arenas foram erguidas em terrenos abertos ou reconstruídas no espaço que já ocupavam. As obras de mobilidade urbana do Rio de Janeiro são obras planejadas antes de se falar em Copa do Mundo. O mesmo ocorreu nas demais cidades-sede. São obras para a população, não tem nada a ver com a organização de um evento esportivo. Até porque os jogadores, as delegações, não vão se locomover em BRT ou metrô. E ninguém faria uma obra de mobilidade só para recepcionar turistas durante um evento de 40 dias.

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