Sociedade

Entregadores de aplicativos fazem paralisação e pedem adesão de usuários à causa

Pensou em pedir almoço nesta quarta? Talvez seja importante pensar em aderir à paralisação dos motoristas de aplicativos de entrega. Entenda

Entregador de aplicativo transita pela Avenida Paulista, em São Paulo. Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
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Entregadores de aplicativos em todo o País se unem em torno de uma paralisação nacional nesta quarta-feira 1º para pedir melhorias nas condições de trabalho daqueles que, como médicos, auxiliares de serviços gerais e policiais, são considerados essenciais na pandemia.

As demandas passam pelo aumento da taxa mínima por entrega, do valor pago por quilometragem e mais transparência sobre os repasses feitos diante as gorjetas pagas por clientes via aplicativo.

No centro da discussão, há a reclamação de que as empresas diminuíram o valor repassado para os entregadores no período da pandemia – algo reafirmado em uma pesquisa recente sobre o tema.

Os entregadores questionam os métodos de avaliação aos quais são submetidos pela maioria das plataformas e que, na visão deles, os força a trabalhar mais, sob riscos de penalização. Na pauta, no entanto, não estão presentes demandas por regulação trabalhista – o que poderia “prejudicar o trabalho” dos entregadores, que traduzem a prevalência da informalidade como única forma de obter renda em tempos de crise, que data desde antes do coronavírus.

Os entregadores fazem um apelo para que a sociedade paralise os pedidos via aplicativos de entrega por um dia e que o boicote se estenda a nomes como Ifood, Rappi, Uber Eats, Loggi e James Delivery. Eles ainda pedem que haja um mobilização nas redes sociais com as hashtags #apoiobrequedosapps e #1diasemapp.

Alessandro da Conceição Calado é entregador da Loggi. Créditos: divulgação

Alessandro da Conceição Calado, 27 anos, está decidido a interromper os seus trabalhos como entregador em Brasília. Encostar a sua moto e não cumprir a rotina diária de entregas pela plataforma Loggi, da qual é operador há cerca de três anos, é uma forma de lutar por melhorias nas condições trabalhistas, que ele afirma virem piorando com o passar do tempo.

“No começo eu cheguei a ganhar o equivalente à profissão de motoboy, que é cheia de riscos. Mas, com o passar do tempo e a chegada de novos entregadores às plataformas, os valores por entrega foram caindo. Os ganhos não acompanham os gastos que temos para trabalhar”, relata Calado, que chega a ficar 12 horas por dia na rua para atingir sua meta diária.

“Eu tento alcançar R$ 150 dia, mas se eu bato R$ 100 já tá bom. Tem gente que diz que isso por dia é muito, mas não lembra que daí sai nossa alimentação, nossos gastos com motos ou bike, fora todo o descaso na nossa rotina, não temos a garantia de um banheiro para usar”, critica.

“Eu to levando o pão pro rico, mas e o meu pão de cada dia?”
A vida dos entregadores é correria. A precarização é enorme, e se aprofunda na pandemia do coronavírus.
No dia 1 de julho vai ter paralisação desses trabalhadores, que são tão importantes.
Vamos apoiá-los! pic.twitter.com/GuCrMGLZbP

“A autonomia que era dada ao entregador de trabalhar a hora que quisesse e até rejeitar entregas não existe mais”, afirma Calado, que critica a lógica de pontuação utilizada pelas plataformas para classificar os entregadores. “No Ifood, por exemplo, tem o tal do score, se você não se dedicar na plataforma e não aumentar sua pontuação, você não recebe entregas. Isso é totalmente injusto”, declara o entregador, que também atribui a lógica à UberEats e à Rappi.

“Não é a primeira nem a última vez que vou manifestar”, diz Calado, que ainda acusa as plataformas de tentarem enfraquecer as mobilizações ameaçando os entregadores com cortes de serviços e bloqueio das plataformas.

Na prática e na teoria

As dificuldades narradas pelos entregadores foram atestadas por pesquisadores da Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista (Remir), ligada à Unicamp. Os sete integrantes do grupo realizaram a pesquisa “Condições de Trabalho em empresas de plataforma digital: os entregadores por aplicativo durante a covid-19”.

Em uma primeira fase, realizada de 13 a 20 de abril, os pesquisadores avaliaram os resultados de questionários online disponibilizados pelo Google. Com base nas respostas, puderam atestar que, embora haja um aumento expressivo de demanda por entregas, há uma queda no rendimento dos trabalhadores, ainda que eles se sujeitem a longas jornadas de trabalho, com duração geralmente acima de 9 horas diárias.

O relatório da pesquisa conclui que as empresas estão promovendo essa redução do valor da hora de trabalho deliberadamente a fim de superfaturar às custas do trabalhador. “A maioria dos entrevistados (60,3%) relatou uma queda na sua remuneração, comparando o período atual da pandemia do coronavírus com o momento anterior. E, ainda, 27,6% relata que a remuneração se manteve e apenas 10,3% que houve um aumento”, diz a pesquisa.

Cerca de 95% dos entrevistados eram homens. Do total, 44,5% se identificavam como pardos, 39,7% como brancos, 14,3% como negros e 0,4% como indígenas.

Para protegerem-se contra o coronavírus, que tem vitimado mais a população negra e pobre no Brasil, os entregadores afirmaram em sua maioria (62,3%) que não receberam auxílio das plataformas em relação a diminuição do risco de contágio no horário de trabalho. Quase a totalidade deles está tomando cuidado baseado em informações e insumos obtidos por conta própria.

“Em nosso questionário, 84,5% dos entrevistados relataram que têm medo de serem contaminados, trabalhando nestas condições, o que, entre outras coisas, evidencia um trabalho realizado sob um forte grau de tensão e de ansiedade”, conclui o relatório.

O que dizem as empresas

A plataforma Rappi afirmou que “reconhece o direito à livre manifestação pacífica e busca continuamente o diálogo com os entregadores parceiros de forma a melhorar a experiência oferecida a eles”, mas justificou o polêmico programa de pontos como uma política de “mais oportunidades para eles e uma melhor experiência para nossos clientes”.

“Reiteramos, ainda, que os entregadores parceiros têm total liberdade para se conectar ao nosso aplicativo sem restrições de tempo e sem exclusividade, e que não são bloqueados em decorrência de participação em manifestações no exercício de seus direitos.”, afirmou a assessoria do aplicativo.

CartaCapital também entrou em contato com a UberEats e iFood, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.

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