Sociedade

Ensinamento olímpico

O país do futebol ainda tem muito a aprender com as Olimpíadas, a começar pela valorização de outros esportes

Foto: Ben Sutherland/Flickr
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Por Afonsinho

Os Jogos Olímpicos mantêm a população de todo o mundo por pouco mais de duas semanas suspensa no ar. Dezessete dias de emoções a todo instante, no calor das disputas, na reação aos resultados. No fundo, é o sentimento querendo entender o que isso tudo pode significar nos rumos da humanidade. Sempre a ideia de congraçamento num mundo concreto bem diferente.

Um homem que bate no outro, ou um país que ganha uma guerra, não prova que tem razão, mas apenas que é mais forte. Depois fica o ressentimento, a raiva surda, o ódio velado germinando a vingança a explodir mais à frente em novo conflito. O sonho e a esperança são inesgotáveis em rechaçar a violência. “É a luta para se viver em paz”, como ensina a bela canção de João Nogueira e Paulo Cesar Pinheiro.

No perde e ganha da vida diária, a procura pelo caminho da luz. Primeiro com os filhos, agora com os netos, sempre procurei, sem encontrar, um lugar para as crianças se desenvolverem de maneira integral. Sem iniciar pelo “pé quebrado” das escolinhas desse ou daquele esporte. Ficar na atividade com a qual mais se identificam de modo natural. Não consigo.

Os clubes têm atividades múltiplas. Mesmo aí, influenciados pela “competitividade” que os donos do mundo exigem de seus escravos modernos, os próprios responsáveis começam pelas ditas “escolinhas”. Clubes, em geral, não são populares, têm até “donos”. Algo muito distinto do que vivi durante a infância em Marília, no interior paulista, desfrutando do parque infantil, proposta pedagógica cuja origem eu desconheço. Nunca esqueci o semblante e a simpatia de seu Porfírio recebendo praticamente todas as crianças da cidade em dois turnos diferentes. Quem estava na escola de manhã frequentava o parque à tarde. O inverso para quem estudava no período vespertino.

Tratava-se de um circuito esportivo. Começava pela quadra, ao lado uma piscina, à frente um campinho de futebol, contornando um playground, adiante uma área construída. De um lado o refeitório, de outro, a sala de brinquedos infantis e, entre eles, a cozinha e as dependências da administração e o almoxarifado. Um quarteirão quadrado, algo possível em qualquer comunidade.

É bem verdade que o município era a “Cidade Menina”, depois “Cidade Moça”, hoje um lugar com muitos recursos, polo universitário. No caminho da Estrada de Ferro, as cidades iam nascendo em direção ao oeste. Vi chegar a primeira locomotiva a diesel, substituindo a velha e saudosa maria-fumaça.

Talvez inspirado nessas lembranças, ajudei a desenvolver a proposta do Centro de Iniciação Olímpica, com base nos Cieps de Oscar Niemeyer. Conforme o tamanho e a necessidade do local, vão se construindo módulos de cada esporte básico. Isso quando o Brasil ainda pleiteava sediar os Jogos Olímpicos e Pelé era ministro dos Esportes. De passagem por Brasília, deixei essa e outras sugestões para a equipe do Djan Madruga, então secretário dos Esportes de alto rendimento. Tenho visto algumas iniciativas semelhantes postas em prática.

Enfim, estamos em plena Olimpíada e, como pessoas do futebol, somos tentados a compará-la com a Copa do Mundo.

Empolga muito a oportunidade de tantas opções, ao mesmo tempo trazendo a sensação de independência. Ninguém consegue dominar tudo. Muitas impressões, emergindo as mais marcantes.

As primeiras medalhas brasileiras pelo judô. Pontos luminosos na vitória de Zanetti na ginástica artística de todos os patrícios, vencedores ou não. A presença de 80 mil pessoas a lotar um estádio de atletismo. Impensável no país do futebol. A dor extrema de Hipólito, a ducha gelada das derrotas inesperadas.

Africanos com cara de africanos, esquálidos, vencendo competições de longas distâncias, maratonas etc. Provas vivas de resistência a quem devemos muito de nossa alegria.

Muito interessante pensar sobre as escolhas até conflitantes aplicadas simultaneamente. Refiro-me, por exemplo, à corrida dos 100 metros. Na própria equipe da Jamaica concorrem, e ganham, atletas de características opostas, lado a lado, um caracterizado pela massa muscular, atarracado, sugerindo explosão muscular. O outro, espigado, com amplitude grande na passada, talvez associando as duas valências. Um ouro e uma prata.

Outro ponto alto é o aspecto tranquilo de atletas em plena disputa, às vezes no momento seguinte à chegada, já calmos, respiração recuperada. Imagine a diferença para os pobres mortais parando a cada lance de escada. Nada de caras crispadas, ainda que tenham sido desclassificados. Muitos vão ao máximo esforço. A demonstração do trabalho efetuado ao longo dos anos.

Bonito ver o desprendimento do comentarista Romário exaltando o Neymar, ao mesmo tempo ácido em sua crítica ao formalismo do treinador. O Brasil pode até ser campeão olímpico, mas com um futebol que não agrada.

Bonita paisagem nas praças, pistas, praias, estradas etc., com pessoas em grande número caminhando, correndo, jogando. Agora, todo esforço e dedicação para construir a Rio-2016.

 

Por Afonsinho

Os Jogos Olímpicos mantêm a população de todo o mundo por pouco mais de duas semanas suspensa no ar. Dezessete dias de emoções a todo instante, no calor das disputas, na reação aos resultados. No fundo, é o sentimento querendo entender o que isso tudo pode significar nos rumos da humanidade. Sempre a ideia de congraçamento num mundo concreto bem diferente.

Um homem que bate no outro, ou um país que ganha uma guerra, não prova que tem razão, mas apenas que é mais forte. Depois fica o ressentimento, a raiva surda, o ódio velado germinando a vingança a explodir mais à frente em novo conflito. O sonho e a esperança são inesgotáveis em rechaçar a violência. “É a luta para se viver em paz”, como ensina a bela canção de João Nogueira e Paulo Cesar Pinheiro.

No perde e ganha da vida diária, a procura pelo caminho da luz. Primeiro com os filhos, agora com os netos, sempre procurei, sem encontrar, um lugar para as crianças se desenvolverem de maneira integral. Sem iniciar pelo “pé quebrado” das escolinhas desse ou daquele esporte. Ficar na atividade com a qual mais se identificam de modo natural. Não consigo.

Os clubes têm atividades múltiplas. Mesmo aí, influenciados pela “competitividade” que os donos do mundo exigem de seus escravos modernos, os próprios responsáveis começam pelas ditas “escolinhas”. Clubes, em geral, não são populares, têm até “donos”. Algo muito distinto do que vivi durante a infância em Marília, no interior paulista, desfrutando do parque infantil, proposta pedagógica cuja origem eu desconheço. Nunca esqueci o semblante e a simpatia de seu Porfírio recebendo praticamente todas as crianças da cidade em dois turnos diferentes. Quem estava na escola de manhã frequentava o parque à tarde. O inverso para quem estudava no período vespertino.

Tratava-se de um circuito esportivo. Começava pela quadra, ao lado uma piscina, à frente um campinho de futebol, contornando um playground, adiante uma área construída. De um lado o refeitório, de outro, a sala de brinquedos infantis e, entre eles, a cozinha e as dependências da administração e o almoxarifado. Um quarteirão quadrado, algo possível em qualquer comunidade.

É bem verdade que o município era a “Cidade Menina”, depois “Cidade Moça”, hoje um lugar com muitos recursos, polo universitário. No caminho da Estrada de Ferro, as cidades iam nascendo em direção ao oeste. Vi chegar a primeira locomotiva a diesel, substituindo a velha e saudosa maria-fumaça.

Talvez inspirado nessas lembranças, ajudei a desenvolver a proposta do Centro de Iniciação Olímpica, com base nos Cieps de Oscar Niemeyer. Conforme o tamanho e a necessidade do local, vão se construindo módulos de cada esporte básico. Isso quando o Brasil ainda pleiteava sediar os Jogos Olímpicos e Pelé era ministro dos Esportes. De passagem por Brasília, deixei essa e outras sugestões para a equipe do Djan Madruga, então secretário dos Esportes de alto rendimento. Tenho visto algumas iniciativas semelhantes postas em prática.

Enfim, estamos em plena Olimpíada e, como pessoas do futebol, somos tentados a compará-la com a Copa do Mundo.

Empolga muito a oportunidade de tantas opções, ao mesmo tempo trazendo a sensação de independência. Ninguém consegue dominar tudo. Muitas impressões, emergindo as mais marcantes.

As primeiras medalhas brasileiras pelo judô. Pontos luminosos na vitória de Zanetti na ginástica artística de todos os patrícios, vencedores ou não. A presença de 80 mil pessoas a lotar um estádio de atletismo. Impensável no país do futebol. A dor extrema de Hipólito, a ducha gelada das derrotas inesperadas.

Africanos com cara de africanos, esquálidos, vencendo competições de longas distâncias, maratonas etc. Provas vivas de resistência a quem devemos muito de nossa alegria.

Muito interessante pensar sobre as escolhas até conflitantes aplicadas simultaneamente. Refiro-me, por exemplo, à corrida dos 100 metros. Na própria equipe da Jamaica concorrem, e ganham, atletas de características opostas, lado a lado, um caracterizado pela massa muscular, atarracado, sugerindo explosão muscular. O outro, espigado, com amplitude grande na passada, talvez associando as duas valências. Um ouro e uma prata.

Outro ponto alto é o aspecto tranquilo de atletas em plena disputa, às vezes no momento seguinte à chegada, já calmos, respiração recuperada. Imagine a diferença para os pobres mortais parando a cada lance de escada. Nada de caras crispadas, ainda que tenham sido desclassificados. Muitos vão ao máximo esforço. A demonstração do trabalho efetuado ao longo dos anos.

Bonito ver o desprendimento do comentarista Romário exaltando o Neymar, ao mesmo tempo ácido em sua crítica ao formalismo do treinador. O Brasil pode até ser campeão olímpico, mas com um futebol que não agrada.

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