Sociedade

Em tempos difíceis, é preciso preservar a democracia

De uma só vez pretende-se rasgar a Constituição e a CLT, sem discussão e participação popular. É tempo de indignação

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“Enquanto vivermos, nenhum fracasso será definitivo”
D. Paulo Evaristo Arns

Ressalte-se, desde logo, que os subscritores do presente são militantes em direitos humanos, que atuaram ao lado de D. Paulo Evaristo Arns, na Comissão Justiça e Paz de São Paulo, durante  longo período da ditadura militar.

Assim, e à luz dos princípios e valores estabelecidos na Declaração Universal de Direitos Humanos, subscrita por mais de 170 países em 1948 e com base na experiência adquirida na luta contra a ditadura militar, que reafirmamos nossa crença em um mundo mais justo em que “o ideal da felicidade, que sempre inflamou os corações, possa enfim ser alcançado pelo maior número possível de pessoas” (cf. Fábio Konder Comparato, in “A Civilização Capitalista, Editora Saraiva).

Sem dúvida, vivemos tempos difíceis no Brasil e no mundo. Nos países europeus, a crise dos refugiados, levando à morte milhares de pessoas nas águas do Mediterrâneo, ou à busca de um destino incerto em terras estrangeiras, sem falar do sofrimento dos povos do Oriente Médio, assolados por décadas de conflitos.

Nas Américas, o terremoto eleitoral com a eleição de Donald Trump nos EUA e a crise brasileira que se arrasta desde o resultado das eleições de 2014. Assistimos atualmente a um contexto político em que o fracasso da política tradicional abre espaço aos ditos salvadores da pátria, que se intitulam não políticos. Exemplos não faltam.

Outro fenômeno também surge, entretanto, como preocupante. Referimo-nos ao pensamento cético, à desesperança e ao desânimo que tomam conta das mentes e corações, até mesmo dos espíritos críticos e razoavelmente informados, terreno fértil para o avanço de ideias situadas fora do campo democrático.

A democracia como modelo perde credibilidade no Brasil e no mundo. O número de votos nulos e brancos e a abstenção no último pleito municipal refletem o descrédito nas instituições representativas. A inusitada recente invasão do Congresso Nacional por um grupo de pessoas, pedindo a volta da ditadura militar, constitui perigoso sintoma de moléstia muito mais grave.

Não esqueçamos que tais propostas já apareciam nas manifestações pro-impeachment de Dilma Rousseff, sob olhares complacentes de seus organizadores e de grande parte da mídia.

Todavia, conforme o ensinamento de D, Paulo, não é o momento para desânimo e abstenção; ao  contrário “nenhum fracasso será definitivo, enquanto vivermos”.

Estamos diante de um novo e grande desafio. Trata-se de novamente unir as forças comprometidas com os valores e princípios consagrados na Declaração Universal de Direitos Humanos para garantir o fortalecimento da democracia, do princípio republicano do bem comum (res publica), da busca da igualdade de condições dignas de vida para todos.

Foi um longo e difícil caminho percorrido até a Constituição de 1988. As conquistas sociais nela contempladas estão, no entanto, prestes a ruir.

Cabe-nos, pois, convocar a todos os educadores políticos nas escolas, associações, igrejas, sindicatos, centros cultuais, universidades, redes sociais para a tarefa urgente de denunciar e esclarecer a opinião pública sobre a revisão e flexibilização da legislação trabalhista, a reforma da Previdência, o fim do Sistema Único de Saúde, o congelamento por 20 anos dos gastos federais, inclusive em saúde e educação, correção e aumento do salário mínimo.

É imperioso esclarecer especialmente os mais pobres sobre as consequências dessas medidas. E mais, trata-se de programa econômico que vem sendo imposto sem consulta popular.    

Um primeiro falso diagnóstico é preciso desmascarar. Em geral, fatores econômicos/financeiros são apontados como causas principais para os problemas nacionais. Não vivemos somente uma crise econômica/financeira, mas também e principalmente política, ecológica e moral.

A partir desse diagnóstico surgem soluções que nos levam a acreditar que o remédio é tão somente debelar a crise econômica, reduzindo a atividade humana às leis do mercado. Trata-se de obsessão contemporânea pelos indicadores estatísticos, como o PIB, índices Nasdaq, Bovespa etc. 

Assim, deixa-se de lado a dimensão social, o combate à pobreza, com garantia de vida digna e justa para todos. O massacre midiático repete à exaustão a necessidade do Estado Mínimo, a responsabilidade fiscal. Forte propaganda em favor dessas medidas ocupam todos os espaços públicos e a mídia em geral.

De uma só vez pretende-se rasgar a chamada Constituição cidadã e a CLT. Sem discussão e participação popular, vem sendo construído e imposto a toque de caixa o programa pela Casa Grande, pela maioria do Parlamento, por grande parte da mídia e sob o silêncio do Judiciário.

É tempo de indignação. Acreditamos firmemente no advento de uma nova ordem civilizacional, firmada na consciência da dignidade suprema da pessoa humana.(Fábio Konder Comparato, in “A Civilização Capitalista, Editora Saraiva).

Ao discurso da austeridade opomos com firmeza as palavras do papa Francisco: “Nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma família sem moradia digna” (Encíclica Louvado Seja.)

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