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Em seis anos, nenhum policial de São Paulo foi responsabilizado por abordagem violenta

Levantamento da FGV Direito aponta que em 62% dos casos citados, as vítimas eram negras

Em seis anos, nenhum policial de São Paulo foi responsabilizado por abordagem violenta
Em seis anos, nenhum policial de São Paulo foi responsabilizado por abordagem violenta
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
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Em seis anos, nenhum policial foi responsabilizado por abordagem violenta contra a população no Estado de São Paulo. Em 62% dos casos, as vítimas eram negras.

A constatação é do estudo Mapas da (In) Justiça, produzido pela FGV Direito e lançado na segunda-feira 5. A pesquisa investigou o papel dos órgãos da Justiça na apuração dessas ocorrências entre 2018 e 2024, com ênfase na responsabilização de agentes de segurança pública e no papel das instituições que compõem esse sistema no Estado de São Paulo.

O estudo analisou documentos retirados de 859 procedimentos criminais, sobretudo boletins de ocorrência, relatórios e laudos, pareceres do Ministério Público e decisões judiciais.

A análise dos boletins de ocorrência, por exemplo, mostra que categorias genéricas como “prática de crime” ou “atitude suspeita” são amplamente mobilizadas para justificar abordagens violentas.

“Os dados revelam um cenário de persistente impunidade, no qual a atuação policial letal é sistematicamente legitimada por narrativas oficiais, sustentadas em registros documentais marcados por seletividade racial, apagamentos e omissões técnicas”, avalia a coordenadora-geral do projeto Mapas da (In)Justiça, Julia Drummond.

Os pesquisadores também citam que os casos são marcados por omissões investigativas, entre elas precariedade das perícias, ausência de exames básicos como o de resíduo de pólvora e demora na emissão de laudos com notável racialização dos atrasos, o que expõe fragilidades sistemáticas na apuração dos fatos e contribui para a consolidação da narrativa policial.

Outro aspecto apontado na pesquisa é a corroboração dessas versões pelo Poder Judiciário, que não apenas desresponsabiliza os agentes, como também inverte a lógica da proteção da vida, atribuindo às vítimas a responsabilidade por sua própria morte.

“O ciclo de impunidade que emerge dessa análise é profundamente atravessado por marcadores raciais, evidenciando que o sistema de justiça criminal, longe de ser neutro, opera como vetor de reprodução das desigualdades estruturais que marcam a sociedade brasileira”, avaliam os pesquisadores. A defesa é pela ampliação do debate público para formulação de políticas públicas voltadas à reversão desse quadro.

“O enfrentamento da violência estatal exige o fortalecimento dos mecanismos de controle externo, o aprimoramento das práticas investigativas e, sobretudo, o compromisso político com a vida da população, principalmente da população negra, que segue sendo a principal vítima da violência institucionalizada”, completam.

Apesar de ainda persistirem importantes barreiras à transparência e à obtenção de dados públicos, os resultados da pesquisa indicam pequenos avanços na interoperabilidade entre os órgãos do sistema de justiça criminal paulista, notadamente pela adoção da numeração única do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no inquérito policial eletrônico, o que viabilizou a construção da base de dados.

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